No centro da ocupação da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) e das demais manifestações que começam a tomar corpo na greve do Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública do Estado do Pará (Sintepp), está um debate sobre políticas públicas para educação e direitos indígenas.
As comunidades e entidades envolvidas, antes alinhadas com a gestão estadual, agora demonstram insatisfação com os rumos tomados em reformas implantadas pela gestão de Helder Barbalho (MDB) e aprovadas com facilidade na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa). No entanto, assim como ocorreu na aprovação da reforma do Estatuto do Magistério, o governo precisou lançar mão de um aparato repressivo que gera desgaste perante a sociedade e os chamados formadores de opinião, sobretudo os que não estão alinhados de forma comercial e política com o governo.
A falta de diálogo prévio com os segmentos atingidos pelo projeto que pretendia extinguir a Fundação Paraense de Radiodifusão (Funtelpa), anexando sua estrutura e servidores à Secretaria de Estado de Comunicação do Pará (Secom), bem como a indexação da Fundação Cultural do Pará (FCP) à Secretaria de Cultura do Pará (Secult) geraram críticas contundentes de artistas, intelectuais e formadores de opinião, que resultaram no recuo do governo, que no mesmo dia, mandou retirar da casa o Projeto de Lei. Vale lembrar que, dias depois, Helder apareceu conversando com a secretária de Cultura do Pará, Úrsula Vidal, alegando que o projeto foi um “erro brutal” por parte da Secretaria de Estado de Planejamento e Administração (Seplad), que em busca de reduzir custos, comprometeria a execução de políticas públicas essenciais à cultura e aos produtores culturais, artistas e demais integrantes da cadeia produtiva e criativa do Pará.
O portal Estado do Pará Online (EPOL) orgulha-se de ter sido o primeiro veículo de imprensa no Brasil a buscar informações sobre o PL que foi abortado, assim como de atuar com ética e isenção diante dos fatos políticos que ocorrem no Pará, sendo um dos poucos veículos de comunicação independentes que dedica-se do raiar até o fim do dia a noticiar as informações mais relevantes que ocorrem no Pará e com os paraenses, dentro e fora do estado.
Assim como o EPOL saiu na frente e divulgou a primeira matéria jornalística revelando o conteúdo do projeto de lei que havia acabado de chegar na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação Final (CCJRF) da Alepa, recuado após diversas críticas, o portal também atua sem pausa na cobertura da ocupação indígena no prédio da Seduc e os protestos de professores que pedem a revogação da Lei 10.820/2024 e a exoneração do secretário de Estado de Educação do Pará, Rossieli Soares.
Os movimentos em questão têm gerado uma crise sem precedentes para o governo Barbalho, que vinha comemorando altos índices de aprovação perante a população paraense, contando com prestígio nacional e internacional, mas agora se vê diante de um grande desafio: se equilibrar diante da necessidade de ajustar as contas do governo, assim como garantir a manutenção de salários e direitos de segmentos ‘barulhentos’, como professores do movimento indígena e da rede estadual.
A situação também evidencia divisões internas entre as lideranças indígenas, onde algumas acusam o governo de ‘cooptação’ de outras, além de usar as que já seriam ligadas à gestão, com destaque para a secretária de Estado dos Povos Indígenas, Puyr Tembé, que sofre duras críticas desde o início dos protestos de seus parentes. Entre as principais, há relatos de decepção e vergonha de sua atuação em prol do governo e na demora em atender os anseios das lideranças.
Mas até que ponto Puyr tem algum poder para interferir junto ao governo, onde ela é mera peça de um complexo tabuleiro comandado por um governante que tem compromissos com outras lideranças de seu partido, como o ex-presidente Michel Temer, apontado como padrinho político de Rossieli?
O que muita gente se pergunta agora é se essas tensões locais têm o potencial de impactar na organização e execução da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), que ocorrerá em Belém em novembro de 2025. Será que o que ocorre agora coloca em risco a narrativa de protagonismo amazônico no debate global sobre sustentabilidade? Isso só o tempo dirá, mas podemos fazer um exercício reflexivo.
A COP 30 sob o impacto da crise
Longe de ser um evento isolado, a ocupação da Seduc é um símbolo de uma crise mais ampla, mas com a aproximação da COP 30, o Pará enfrenta um dilema: como conciliar as demandas locais com a imagem que deseja projetar internacionalmente?
A presença de movimentos sociais críticos ao governo pode transformar o evento em um palco de contestação, já que a mídia internacional estará ‘em peso’ por aqui, o que pode prejudicar a estratégia do governador de usar a conferência como ‘vitrine política’ para seu projeto eleitoral em 2026, quando pode ser anunciado como candidato ao Senado ou vice-presidente, como muito especula-se.
Sucessão e contradições
No âmbito estadual, a crise também abriu espaço para movimentações na pré-disputa pela sucessão de Helder. A vice-governadora Hana Ghassan é o nome apontado como herdeira política do grupo Barbalho, embora enfrente resistência em setores que não enxergam nela o protagonismo e independência necessários para mudar alguns rumos na governança pública e enfrentar problemas vividos pelo governo Barbalho.
Por outro lado, o prefeito de Ananindeua, Dr. Daniel Santos (PSB), aparece como um possível adversário de peso.
Reeleito na segunda maior cidade do Pará, Daniel evita comentar publicamente a crise da Seduc, pois já enfrenta seus próprios desafios. Além de uma crise financeira que potencializa sua fama de mal pagador, investigações conduzidas pelo Ministério Público e pela Polícia Civil, bem como de auditorias realizadas por outros órgãos de controle, colocam em xeque a origem de seu rápido enriquecimento, que inclui a aquisição de patrimônios vultosos, como um hospital privado, aeronaves, fazendas e terrenos em áreas nobres da região metropolitana e até em outros municípios do Pará, segundo especulações.
A visibilidade construída por uma rede de profissionais da estratégia política e da comunicação e marketing resultaram em uma eficiente ação para Daniel, sobretudo nas redes sociais que, em poucos anos, consolidaram o prefeito reeleito com aprovação recorde, como um nome influente, agora podem servir como alvo de questionamentos sobre o uso de dinheiro público para a projeção de sua imagem como gestor e líder político.
No entanto, há a chance de uma ‘virada de jogo’ onde tudo que o tornou famoso pode virar prova de má gestão de recursos públicos ou indícios de desvios.
Rachas nas alianças políticas
Há poucos anos, Daniel Santos era um vereador de um mandato e meio em Ananindeua, que após ser eleito deputado estadual em 2018, com o apoio de aliados imprescindíveis, como o ex-prefeito de Ananindeua por 16 anos, Manoel Pioneiro.
Na época, Daniel foi acusado de trair o então candidato Márcio Miranda, apontado como candidato ao cargo de governador para ser sucessor de Simão Jatene, pois ainda sendo do PSDB, assim que foi eleito deputado pela legenda tornou-se aliado – de uma hora pra outra – da família Barbalho, sendo que Márcio era um dos maiores beneficiários do apoio político dos tucanos. Indo na contramão do que seu partido indicava, Daniel declarou voto em Helder Barbalho no segundo turno das eleições de 2028, pulando do barco tucano que estava afundando.
Passados dois anos presidindo a Alepa, na qual não teria chegado ao cargo sem a indicação de Helder, Daniel resolve se lançar-se em 2020 ao cargo de prefeito de Ananindeua e para tal, usa todos ao seu redor, naquilo que ficou conhecida como ‘República de Ananindeua’ para ser eleito com uma votação expressiva.
No entanto, pouco tempo depois, foi acusado por seus ex-aliados de ‘infiel’, ‘trapaceiro’ e de não cumprir acordos políticos e financeiros. Na época, Daniel anunciou que mesmo tendo forte apoio de Helder, não aceitaria a indicação do MDB, partido que se filiou após ser expulso do PSDB – por boatos de uma possível infidelidade partidária – e se manteve como o ‘dono da indicação’ de quem seria seu vice.
Para isso, Daniel articula, através de interlocutores em Brasília, sua filiação ao PSB, base do governo Lula e que aqui no Pará é presidido pelo secretário de Esporte e Lazer e atual vice-prefeito de Belém, Cássio Andrade, que segundo comenta-se, chegou a temer ser substituído por Daniel ou por alguém pelo prefeito indicado, na presidência do partido no Pará.
Pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão
Entre os nomes que poderiam estar cotados como vice em sua chapa para a reeleição, concorrida em 2024, havia o do seu padrinho e maior incentivador político: Manoel Pioneiro, descartado por Daniel que decidiu sem comunicar os aliados mais próximos, indicar o atual vice-prefeito, Hugo Atayde (PSB), que terá suas polêmicas abordadas em breve.
Ed Wilson (Solidariedade), que até então era chefe de gabinete na Alepa, secretário de gestão na prefeitura de Ananindeua e braço direito de Daniel, foi abatido por problemas partidários e tentou convencer o deputado Erick Monteiro (PSDB) de não indicar sua esposa para compor a chapa de vice com Daniel, em uma das piores histórias de ingratidão e traição que se comenta nos mais de 80 anos do município.
O resumo deste enredo ainda está longe de um final feliz. Investigações comandadas pelo MP atestam que a podridão que se apresenta apenas como a ponta de um iceberg, pode vir à tona com força total quando testemunhas até então ligadas a Daniel resolverem ‘abrir a boca’ e relevarem como o jovem médico que chegou a Ananindeua sem nenhum bem, conseguiu em tão pouco tempo tornar-se um dos homens mais ricos e audaciosos da classe política paraense.
O atual distanciamento entre Daniel e Helder reflete a fragilidade das alianças políticas no Pará, onde lealdades são frequentemente ofuscadas por disputas de poder e interesses pessoais.
Oportunidade para a oposição
A criação de uma narrativa de que o governo vive um cenário de ‘crise desenfreada’ abre caminho para que a oposição apresente nomes para a próxima disputa estadual. Com o governo enfrentando o ‘pior momento’ desde seu início, partidos de oposição podem tentar aproveitar o momento e propor uma alternativa ao modelo político dominante. Se esse descontentamento ultrapassará as paredes do PSOL, SINTEPP e alojamentos e aldeias indígenas, só as pesquisas podem nos mostrar.
O que está em jogo
A ocupação da Seduc não é apenas uma crise de gestão, mas um espelho de profundas contradições estruturais e políticas no Pará. Os próximos meses serão decisivos para definir se o estado conseguirá superar os desafios internos e manter o foco na COP 30 como um marco de discussões globais, ou se sucumbirá às pressões de uma crise que sabemos como começou, mas não como terminará.
O uso do movimento por quem nunca o apoiou
As denúncias de que o senador Zequinha Marinho (Podemos) teria tentando ‘ajudar’ com dinheiro a permanência dos indígenas que ocupam a Seduc reverberaram em organizações de direitos humanos e ambientais, que pedem uma investigação aprofundada sobre as acusações.
Para especialistas, o caso reflete os desafios enfrentados pelo Pará no equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental, especialmente em um contexto de constantes pressões de setores interessados na exploração da floresta, dos recursos minerais e até do crédito de carbono, a mais nova febre do mundo empresarial.
Com os indígenas divididos entre voltar pra casa com parte das reivindicações atendidas e a uma minoria aguerrida e barulhenta resistindo para que Helder ceda ao máximo, os próximos movimentos estratégicos nos bastidores serão determinante para por a prova a capacidade de Helder em gestão de crises, a começar com os de casa, para treinar como será o enfrentamento com outros caciques, desta vez, partidários e que têm projeção nacional, já que o governador pleiteia – legitimamente – novos e mais altos voos, podendo ser candidato a vice-presidente, cargo para o qual já pontua nas pesquisas de opinião realizadas até aqui.
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