MPF e MPPA recomendam anulação urgente de contrato bilionário de créditos de carbono do governo do Pará

Acordo com coalizão internacional fere lei federal e ignora direitos de comunidades tradicionais, segundo órgãos de fiscalização

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O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) recomendaram, nesta terça-feira (15), a anulação imediata do contrato de venda de créditos de carbono firmado entre o governo do Pará e a coalizão internacional LEAF, formada por países como Estados Unidos, Reino Unido e Noruega, além de grandes corporações como Amazon, Bayer, H&M e Fundação Walmart.

O contrato, anunciado em setembro de 2024 como uma negociação de quase R$ 1 bilhão, é considerado ilegal pelos órgãos de controle por se tratar de uma venda antecipada de créditos de carbono referentes a períodos futuros — prática expressamente proibida pela Lei nº 15.042/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE).

Contrato viola legislação ambiental e financeira

De acordo com a recomendação, o contrato representa um “contrato futuro” de venda de certificados de emissões reduzidas que ainda não existem e nem estão assegurados como patrimônio do Estado. Segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), o projeto REDD+ Jurisdicional do Pará ainda se encontra em fase de construção.

Além disso, o MPF e o MPPA apontam que os créditos de carbono florestais são direitos intangíveis e infungíveis, não podendo ser tratados como mercadorias físicas ou “commodities” negociadas por “ano safra”, como prevê o contrato com a coalizão LEAF.

Falta de transparência e riscos para comunidades

A recomendação também ressalta outras ilegalidades já apontadas em dezembro de 2024, como a ausência de transparência, a falta de consulta prévia, livre e informada às comunidades tradicionais e indígenas, e os riscos associados à especulação financeira no mercado de carbono.

Os MPs alertam que a lógica dos contratos futuros pode pressionar populações vulneráveis, provocar abordagens assediosas por parte de agentes privados e gerar uma corrida especulativa que ignora os impactos sociais e ambientais nos territórios amazônicos.

Coalizão estrangeira poderá revender créditos

O contrato também prevê que os créditos de carbono poderão ser revendidos pela coalizão para outros compradores, aumentando o nível de especulação no mercado internacional. Para os Ministérios Públicos, isso representa uma “privatização disfarçada dos territórios”, promovida por atores do norte global historicamente responsáveis pela degradação ambiental.

“Os custos sociais e ambientais da proteção da floresta estão sendo ignorados em favor de um modelo rentista e colonialista”, diz o documento.

O que é o projeto LEAF?

A LEAF (Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance) é uma coalizão que reúne governos e corporações com o objetivo de financiar projetos de preservação florestal por meio de compra de créditos de carbono. No entanto, o modelo tem sido criticado por movimentos sociais, organizações ambientais e indígenas por centralizar decisões fora dos territórios envolvidos e promover valores impostos de fora para as florestas tropicais.

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