A floresta, a COP30, as populações amazônicas, as críticas e o debate ainda não iniciado

Alguns setores da imprensa paraense têm reproduzido críticas - de outros países e estados brasileiros - à falta de estrutura e às obras que estão sendo erguidas em decorrência da COP30 em Belém. Trata-se de um debate válido sobre o receio de haver mal uso de recursos, dos impactos ambientais da obras, como de mobilidade urbana com novas avenidas que rasgam florestas na região metropolitana e até de decorações exóticas, como a implantação de "Jardins Suspensos", assim como os déficits de infraestrutura local, como de hospedagem. Mas o principal debate ainda carece de início: os temas que estarão em pauta e que permearão o evento internacional e suas decisões finais, onde os interesses das populações da Amazônia, pela primeira vez na história terão a oportunidade ímpar de estarem pautados, como nossas demandas, sobretudo nas resoluções aprovadas na agenda global com os líderes mundiais.

Trecho da Nova Doca, obra da Cop30 em Belém do Pará.
Trecho da Nova Doca, obra da Cop30 em Belém do Pará. Foto: Vinícius Pinto/Agência Pará

Por Prof. Dr. Manoel Alves da Silva

Em novembro de 2025, a cidade de Belém do Pará — no coração da maior floresta tropical do planeta — sediará a 30ª Conferência das Partes sobre o Clima (COP 30). Trata-se de uma oportunidade histórica para reposicionar a Amazônia não apenas como um ativo ambiental global, mas como território vivo, habitado por milhões de pessoas que enfrentam desafios profundos e estruturais. Esta é a COP na Floresta, e não em uma favela de palafitas, como alguns discursos estereotipados ainda tentam sugerir. O compromisso com a sustentabilidade climática deve ser, antes de tudo, um compromisso com a justiça para quem vive na e da floresta — incluindo os povos originários, tradicionais e as populações urbanas da Amazônia.

Sustentabilidade com justiça social e territorial

A verdadeira sustentabilidade, aquela que prioriza os que estão em situações de risco e vulnerabilidade, deve incluir uma diversidade de sujeitos históricos da região: indígenas, ribeirinhos, extrativistas, quilombolas e também as populações urbanas da Amazônia. A construção de um futuro sustentável exige, portanto, investimentos em infraestrutura e políticas públicas de base, que vão muito além do discurso ecológico.

Entre as demandas urgentes, destacam-se:

  • Saneamento básico: acesso universal à água potável, banheiros, redes de esgoto, drenagem e pavimentação;
  • Infraestrutura urbana: iluminação pública, praças, áreas de lazer, esporte, cultura e educação;
  • Políticas sociais: moradia digna, combate à pobreza extrema, à fome e à desigualdade estrutural.

Essas ações não se contrapõem à preservação ambiental. Pelo contrário: são condições essenciais para uma floresta protegida com seus povos vivendo com dignidade.

Amazônia em números: grandeza e vulnerabilidade

Com cerca de 5,5 milhões de km², a Amazônia ocupa 40% do território brasileiro (IBGE, 2023) e se estende por nove países da América do Sul. É berço da maior bacia hidrográfica do planeta, contendo aproximadamente 7 milhões de km² e responsável por 15% da água doce superficial do mundo (ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, 2022).

A biodiversidade amazônica é extraordinária: há registro de mais de 40 mil espécies de plantas, 1.300 espécies de aves, 3 mil espécies de peixes e 3 mil espécies de insetos (WWF Brasil, 2021).

A Amazônia Legal concentra aproximadamente 25 milhões de habitantes (IBGE, Estimativas Populacionais, 2022), mais do que a população de países europeus como:

Dinamarca: 5,8 milhões

Finlândia: 5,5 milhões

Suíça: 8,7 milhões

Suécia: 10,3 milhões (Fonte: United Nations, Department of Economic and Social Affairs – Population Division, 2022 Revision)

Distribuição populacional da Amazônia Legal, por estado (IBGE, Estimativas Populacionais, 2022):

Amazonas: 4,2 milhões de habitantes

Pará: 8,7 milhões

Acre: 0,9 milhão

Amapá: 0,8 milhão

Rondônia: 1,8 milhão

Roraima: 0,6 milhão

Tocantins: 1,6 milhão

Maranhão (parcial): 7,2 milhões (população total do estado; parte está incluída na Amazônia Legal)

Mato Grosso (parcial): 3,7 milhões (idem)

Apesar de sua relevância ecológica e social, a região enfrenta déficits estruturais alarmantes. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2019 (IBGE, 2020), apenas 58,4% da população da Amazônia Legal tinha acesso a redes de esgoto ou fossas sépticas. Outros 34,6% utilizavam fossas rudimentares ou não tinham acesso a nenhum tipo de saneamento.

O que a COP 30 precisa priorizar

A conferência climática em Belém deve ir além de promessas genéricas e abordar com firmeza temas centrais para a Amazônia:

  • Cadeias produtivas sustentáveis: valorização da agricultura de base ecológica, da pecuária de baixo impacto e do manejo responsável dos recursos florestais;
  • Bioeconomia: fomento à economia baseada em ativos biológicos, como fitoterápicos, biocombustíveis, alimentos naturais e cosméticos sustentáveis;
  • Justiça climática: garantia de proteção, financiamento e compensações às comunidades mais afetadas pelos efeitos das mudanças climáticas;
  • Equidade de gênero: valorização da participação das mulheres nas decisões socioambientais e nas estratégias de adaptação.

A floresta amazônica não é um espaço vazio à disposição do mercado ou da intervenção externa: ela é habitada, vivida, produzida e cuidada por uma diversidade de povos e culturas. A COP 30 tem a missão histórica de ouvir essas vozes e reconhecer que não haverá solução climática global sem justiça climática regional. Proteger a Amazônia é garantir vida, dignidade e futuro para todos.


Fontes consultadas:

IBGE (2022). Estimativas Populacionais dos Estados Brasileiros

IBGE (2023). Área da Amazônia e divisão político-administrativa

IBGE (2020). PNAD Contínua 2019 – Acesso a saneamento básico e infraestrutura urbana

ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (2022). Atlas da Bacia Amazônica

WWF Brasil (2021). Relatório de Biodiversidade da Amazônia

United Nations, DESA – Population Division (2022 Revision). World Population Prospects

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