TJPA se mantém em silêncio após declarações capacitistas e misóginas de desembargador

Declarações de Amílcar Guimarães sobre mães atípicas, autismo e pensão alimentícia geram revolta, denúncia ao CNJ e notas de repúdio; TJPA ainda não se posicionou.

O desembargador Amílcar Roberto Bezerra Guimarães, do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA), foi denunciado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e à Corregedoria do tribunal pela deputada estadual Lívia Duarte (Psol). A medida foi motivada por declarações consideradas ofensivas feitas pelo magistrado durante julgamento de ação envolvendo pensão alimentícia a uma criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Durante a sessão do dia 27 de maio, Amílcar criticou o pedido de pensão de 25% do salário do pai, tenente-coronel, e classificou o percentual como uma “facada considerável”. Ele ainda insinuou que a mãe deveria ter “paciência” e sugeriu que não teria o problema se tivesse “casado com Antônio Ermírio de Moraes”, falecido empresário bilionário. A fala gerou indignação por ser direcionada à mãe de uma criança com deficiência e em situação de vulnerabilidade.

Nas falas seguintes, o magistrado ampliou suas críticas aos profissionais de saúde e estabelecimentos especializados em autismo, afirmando que há uma “epidemia de diagnósticos” e insinuando que mães estariam sendo manipuladas por interesses financeiros. Ele comparou o pai da criança a uma “vaca leiteira” obrigada a custear um tratamento sem perspectiva de “cura”, além de questionar a legitimidade dos laudos clínicos. Veja:

Ver no Threads

A deputada Lívia Duarte, em nota pública, afirmou que as falas configuram violência institucional de gênero e capacitismo, ferindo princípios constitucionais. “É um ultrajante constrangimento à dignidade da mulher e um ataque coletivo às mães atípicas, aos profissionais de saúde e à luta por direitos das pessoas com deficiência”, declarou. Ela pediu providências ao CNJ e à Corregedoria do TJPA, que ainda não se pronunciaram sobre possíveis medidas administrativas.

Vale destacar que o valor pleiteado na ação – 25% do salário de um tenente-coronel, que gira em torno de R$ 11.250,00 – equivaleria a R$ 2.812,50 mensais. Segundo especialistas em Direito de Família, a pensão alimentícia deve considerar a necessidade da criança e a capacidade financeira do responsável, especialmente em casos que envolvem demandas específicas de cuidado, como no caso de crianças com TEA.

Histórico polêmico do desembargador

Além do episódio recente, o histórico do magistrado inclui outras falas polêmicas. Em sessão do Tribunal Regional Eleitoral do Pará (TRE-PA), Amílcar comparou mulheres candidatas a “aleijados” escalados em times de futebol por obrigação legal e questionou a validade das ações afirmativas na política. Na mesma linha, ironizou a possibilidade de cotas femininas em presídios e entre garis, classificando a limpeza urbana como uma “atividade que não é boa”.

Casos anteriores também envolvem ataques pessoais a profissionais da advocacia. Em 2004, Amílcar chamou o advogado Sérgio Couto de “nervosinho” em despacho oficial e afirmou que ele “precisa de um pipo”. A Ordem dos Advogados do Brasil reagiu com solidariedade ao advogado e debateu a realização de sessão de desagravo.

Entidades repudiam a ação

Algumas entidades se manifestaram publicamente contra as declarações do desembargador, apontando a gravidade e o impacto das falas no contexto social e institucional.

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará (OAB-PA) publicou nota de repúdio, classificando as declarações como ofensivas, capacitistas e contrárias aos direitos humanos. A entidade anunciou a criação de um grupo de trabalho para avaliar medidas jurídicas cabíveis, com apoio de comissões especializadas da Ordem.

O Conselho Regional de Medicina do Pará (CRM-PA) também emitiu nota de repúdio, destacando que as falas do magistrado não apenas desrespeitam pessoas com TEA, mas atacam diretamente a classe médica. O conselho questionou o conhecimento técnico do desembargador sobre o tema e rejeitou a generalização feita contra médicos e clínicas especializadas, ressaltando que “qualquer tipo de generalização é perigosa, pois fere a imagem de toda uma classe profissional”.

TJPA segue em silêncio

A reportagem do Estado do Pará Online (EPOL) entrou em contato com o Tribunal de Justiça do Pará solicitando posicionamento oficial sobre o caso e questionando se alguma medida administrativa foi adotada. Até o fechamento desta edição, o TJPA não respondeu. O silêncio do tribunal tem gerado críticas da sociedade, que cobra uma postura clara frente às declarações do magistrado.

Leia também: