Saiba o que as investigações do MP encontraram para a PGJ pedir intervenção na saúde de Ananindeua

Falta de pagamento e fechamento de hospitais privados e concorrentes do Santa Maria; atendimento precário no Pronto Socorro e direcionamento de pacientes para o hospital que era do atual prefeito, foram alguns dos problemas apontados pela investigação na saúde pública municipal de Ananindeua.

Pronto-Socorro de Ananindeua
Um dos alvos das investigações do inquérito civil movido pelo MP, o Pronto Socorro de Ananindeua encontrava-se com diversos problemas estruturais para atender a população. Foto: Divulgação

A leitura das 309 páginas do Inquérito Civil nº 06.2025.00000238-1 movido pelo Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará, que concluiu a investigação da gestão de saúde da Prefeitura de Ananindeua, trouxe elementos que merecem ser destacados para a melhor compreensão sobre o que motivou o pedido de intervenção no município e que tem se desdobrado em uma disputa de narrativas nas redes sociais e bastidores da política paraense.

Entre os pontos destacados pela investigação promovida pelo MP, encontram-se os seguintes problemas pontuados:

1 – Gestão temerária do Sistema Público de Saúde consistente em atrasos sistemáticos nos repasses financeiros aos serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), situados em Ananindeua, levando alguns à iminente suspensão do atendimento pelo SUS e outros ao próprio fechamento da unidade de saúde, obrigando os munícipes ananindeuenses a recorrerem aos municípios vizinhos, impactando sobremaneira as ações e o serviço público de saúde prestados, em especial, pelo município de Belém, em flagrante violação ao direito à saúde e à vida da população de toda a região metropolitana de Belém, em descumprimento à Lei Federal n° 8.080/90, em especial o
art. 2º e seu parágrafo 1º.

2 – Inexecução deliberada da Constituição da República notadamente os artigos 1962 e 1973, ao promover uma prática assemelhada ao dumping (eliminação da concorrência por meio de práticas maliciosas e desleais) haja vista que hospitais e clínicas estão prestes à ruína econômica pela falta de pagamento pelos serviços já prestados aos usuários do SUS, possibilitando direcionar o atendimento ao HSMA – Hospital Santa Maria de Ananindeua, de propriedade do gestor municipal até o ano de 2022. Assim, com o fechamento dos demais serviços privados que compõem o SUS de Ananindeua, a concorrência relativa aos usuários do sistema público é eliminada e o HSMA pode conquistar maiores fatias do orçamento público da saúde de Ananindeua.

DOS FATOS E DAS PROVAS

O Município de Ananindeua enfrenta uma crise de gestão multifatorial na área da saúde sem precedentes, com falha sistemática na gestão financeira que vem ocasionado paralisias no atendimento pelo SUS e até mesmo o fechamento de hospitais conveniados, como é o caso da tradicional maternidade Anita Gerosa,
que em 26 de janeiro de 2025 encerrou as suas atividades na área de obstetrícia, após tentar por todos os meios negociar com o município o devido pagamento da dívida de meros 4 milhões de reais, que é um grande valor para a entidade privada, mas um valor irrisório em se tratando de recursos públicos da área da saúde.

Ainda assim, a gestão temerária de Ananindeua permitiu que a entidade fechasse, causando um sério problema para as munícipes grávidas de toda a região metropolitana que precisam recorrer ao SUS.

No ano passado, outro hospital situado em Ananindeua (adiante pormenorizado) chegou a anunciar o encerramento do atendimento ao SUS, diante de enorme dívida do Munícipio para com ele, decorrente de serviços prestados para usuários do SUS. Porém, foi providencialmente socorrido pelo Estado, com quem firmou contrato para prosseguir no atendimento aos pacientes do SUS.

Pelo menos uma clínica (que atende pacientes renais, também adiante identificada) está na iminência de encerrar o atendimento aos usuários do SUS em Ananindeua por falta de pagamento, enquanto outra, especialista em visão, encerrou o contrato com a prefeitura de Ananindeua diante dos atrasos constantes no repasse dos valores da rubrica do SUS.

Esses fechamentos e encerramentos de contratos com o município de Ananindeua revelam a falência da gestão municipal da saúde, com a violação massiva de direitos fundamentais, especialmente o direito à vida e à saúde da população dependente do Sistema Único de Saúde.

Enquanto ocorrem os fechamentos de entidades de atendimento à saúde em Ananindeua, os serviços municipais fomentam, indicam, encaminham os pacientes unicamente a um hospital: o HSMA-Hospital Santa Maria de Ananindeua, que até 2022 tinha como sócio o prefeito municipal de Ananindeua.

DO FECHAMENTO DO HOSPITAL ANITA GEROSA

O Hospital Anita Gerosa, situado no município de Ananindeua, anunciou, no dia 22.01.25, que encerraria (como, de fato, encerrou) o atendimento da maternidade para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir do dia 26.01.25 (domingo).

Consoante a matéria disponível em https://estadodoparaonline.com/hospital-anita-gerosa-interrompe-atendimentodamaternidade-para-pacientes-do-sus/ a medida foi tomada devido à falta de repasses financeiros da Prefeitura de Ananindeua à unidade de saúde, uma vez que a dívida acumulada já estaria na casa de mais de R$ 3,5 milhões de reais, inviabilizando a manutenção do atendimento à população.

Segundo a investigação promovida pelo Ministério Público, a dívida atual do Município de Ananindeua para com o Hospital chega ao montante de R$ 3.699.343,77 (três milhões seiscentos e noventa e nove mil quatrocentos e quarenta e três reais e setenta e sete reais). A falta do ingresso desse valor na conta da entidade tornou insuportável financeiramente a manutenção do serviço às gestantes, de forma que, diante dessa situação de inadimplência, o hospital não teve uma alternativa senão encerrar as suas
atividades, conforme informou Salomão Santa Brigida Favacho, diretor do Hospital Anita Gerosa em depoimento ao MP, dia 29 de janeiro deste ano.

Grávidas são encaminhadas ao hospital que era de Daniel até o ano de 2022

Na página 30 do processo movido pelo MP, lemos a seguinte denúncia:

O encaminhamento ao HSMA das grávidas que procuram atendimento no Pronto Socorro Municipal de Ananindeua foi comprovado na vistoria feita pelo Ministério Público ao local, ocorrida na data de 14.02.25, quando a própria diretora administrativa da entidade, Sra. Samanta Lobato, e a Sra. Ellen Melo, Gerente do serviço de obstetrícia, confirmaram que a orientação da Secretaria de Saúde municipal é no sentido de encaminhar as mulheres grávidas ao HSMA. Apenas aquelas que já estão em trabalho de parto são atendidas no local, o qual nem possui nem mesmo uma recepção, conforme mostrado adiante.

Registra-se que na data em que ocorreu a vistoria não havia uma única mulher sendo atendida, enquanto a Santa Casa, em Belém, apresentava quadros de intensa procura.

As investigações do MP sobre a falta de pagamento da Prefeitura de Ananindeua ao Hospital Anita Geroa e seu impacto resultando no fechamento do hospital, segundo o processo “não se restringe ao município
de Ananindeua, mas gera efeitos sistêmicos em toda a Região Metropolitana de Belém”.

Além disso, as investigações apontam que de que “outras clínicas e hospitais em Ananindeua também estão passando pela mesma situação de inadimplência, foram notificados os sócios administradores do Centro de Hemodiálise LTDA e do Hospital das Clinicas de Ananindeua”.

Em depoimento ao Ministério Público, o diretor do Hospital das Clínicas de Ananindeua, informou ainda que a dívida atualizada do município de Ananindeua chega no montante de R$ 5.751.393,60 (cinco milhões setecentos e cinquenta e um mil e trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos).

Já a senhora Maria Rosinete Franco Dias, sócia administradora do Centro de Hemodiálise LTDA, compareceu no Ministério Público e informou que a clínica vem enfrentando grandes dificuldades financeiras devido ao não pagamento por parte do Município de Ananindeua dos serviços prestados.

A sócia informou que a clínica presta o serviço de hemodiálise, o qual é um serviço continuado. Caso interrompido, pode levar os pacientes a correrem sérios riscos morte em pouco tempo. A preocupação com possibilidade de morte dessas pessoas é o motivo pelo qual ainda não encerrou as atividades da clínica no Município de Ananindeua. Mas seus recursos já estão no esgotamento, haja vista que a dívida do município para com a empresa ultrapassou os R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais).

“Ela registrou que no ano passado vários pacientes foram transferidos para fazer tratamentos no Hospital Santa Maria de Ananindeua, entretanto os pacientes a procuram para pedir que volte a atendê-los porque o tratamento no Hospital Santa Maria de Ananindeua é desumano e ruim”, informou o MP.

Outros problemas encontrados pela investigação promovida pelo Ministério Público foram as condições do Pronto Socorro Municipal de Ananindeua.

Veja abaixo, os prints das páginas 35 e 37 do inquérito:

“O atendimento às grávidas ocorre da seguinte forma: ela bate no portão de ferro que se vê na foto, aguarda o porteiro abrir uma portinhola alta e, dependendo do que diga, o porteiro abre o portão grande. Ela tem que caminhar sob sol ou chuva uma distância de mais de 50 metros. Não há acessibilidade para alcançar a parte coberta do prédio“, informa os investigadores que estiveram realizando a apuração das denúncias no local.

Por fim, o MP conclui:

“A documentação que acompanha a presente representação, minudentemente analisada nos tópicos anteriores, demonstram de forma inquestionável a violação massiva do direito à saúde e à vida da população ananindeuense, notadamente em razão dos seguintes ilícitos:

a) desestruturação progressiva da rede de assistência à saúde municipal, com retrocesso evidenciado pela redução do número de leitos de internação, tanto em enfermarias quanto em UTIs;

b) precariedade no atendimento materno infantil, diminuição de números de leitos, sobrecarga do sistema municipal;

c) falta de repasses e risco de descontinuidade à prestação de serviços de hemodiálise;

d) gestão ineficaz da demanda de leitos hospitalares, inclusive de UTI`s, com inadequada administração dos leitos disponíveis, falhas no sistema de regulação, e atrasos no repasse de vergas para hospitais contratualizados;

e) sobrecarga das Unidades de Pronto Antedimento (UPA) com funcionamento acima da capacidade máxima; dentre outros.

Acesse a íntegra do processo:

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