Antes de ser chamado de Pará, esse território já era ocupado por diversos povos indígenas. A região hoje conhecida como Belém era chamada de Mairí pelos Tupinambás, povo originário que habitava as margens da Baía do Guajará.
A história do Pará começa com os povos indígenas, mas essa origem tem sido sistematicamente apagada das narrativas oficiais, da educação e da paisagem urbana.
Mesmo com essa presença ancestral, os povos indígenas seguem tendo seus direitos negados e sua existência questionada, especialmente quando não se enquadram no estereótipo do “índio isolado”.
Quantos são os indígenas no Pará?
Segundo o Censo de 2022, o Pará tem 80.974 indígenas autodeclarados, o que equivale a 1% da população total do estado. É o sexto estado do país com o maior número de indígenas, atrás apenas de Amazonas, Bahia, Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Roraima.
Esses povos vivem em contextos diversos: em aldeias, comunidades, periferias urbanas e até no centro de grandes cidades como Belém. Muitos deles atuam em associações comunitárias, cooperativas, conselhos e outras formas de organização próprias. Cada povo possui seu modo de vida, de tomar decisões e de manter viva sua cultura.
Ser indígena ainda é motivo de preconceito
Apesar da diversidade e da força dessas populações, a identidade indígena ainda é alvo de desconfiança e racismo. No contexto urbano, muitos ouvem frases como “mas você não parece indígena” ou “índio de verdade não vive na cidade”. A ideia de que só é indígena quem está na floresta ignora os deslocamentos forçados, os processos históricos de urbanização e a própria pluralidade dos modos de ser indígena.
O preconceito também se manifesta na forma como políticas públicas são desenhadas, muitas vezes excluindo os indígenas que vivem em centros urbanos.
Indígenas nas cidades: desafios e invisibilidades
Muitos indígenas que vivem em Belém e em outras cidades paraenses enfrentam condições de vida precárias. A maioria migrou por necessidade — por conta da violência, da degradação ambiental ou da ausência de infraestrutura nas aldeias.
Nas cidades, porém, a vida continua difícil: falta acesso à moradia, saúde, emprego e educação adequada. A venda de artesanato se torna, frequentemente, a única fonte de renda. Além da exclusão institucional, esses grupos enfrentam o preconceito cotidiano e a dificuldade de serem reconhecidos como indígenas.
Ainda assim, resistem. Organizam-se em coletivos, ocupam espaços públicos e seguem reivindicando seus direitos.
Em ano de sustentabilidade…
As disputas por terra e por direitos seguem vivas no Pará. O estado ainda lidera rankings de desmatamento e sofre com a atuação do garimpo ilegal em terras indígenas, o que intensifica os conflitos e ameaça comunidades inteiras.
A educação também é palco de embates. Em 2024, a aprovação da Lei Estadual 10.820 gerou protestos por parte das comunidades indígenas. A nova regulamentação do SOMEI (Sistema Modular de Educação Indígena) reduziu o ensino presencial nas aldeias, o que motivou uma ocupação da Secretaria de Educação (Seduc) que durou quase um mês.
Essas mobilizações mostram que a luta dos povos indígenas do Pará passa pela garantia de seus territórios, pela preservação de suas culturas e pelo direito a uma educação diferenciada e respeitosa.
Afro-indígenas: ancestralidades que se unem
Na Amazônia paraense, cresce o uso da identidade afro-indígena, que articula ancestralidades negras e indígenas de forma crítica, sem cair na lógica simplista da miscigenação. Essa identidade reivindica histórias silenciadas e desafia os discursos que sempre tentaram embranquecer tanto o indígena quanto o negro da região.
Como afirma o antropólogo Márcio Goldman, é preciso romper com a ideia de mestiçagem como apagamento e reconhecer os encontros e resistências que construíram essa identidade plural e complexa da Amazônia.
O termo ‘caboclo’
O termo “caboclo”, tão comum na Amazônia, carrega uma história de apagamento. Ele foi e ainda é usado para tirar a descendência, criando um rótulo não específico que tira a legitimidade da identidade indígena.
Na prática, foi uma forma de aproximar o indígena do ideal branco, negando-lhe o pertencimento originário e excluindo-o das políticas específicas voltadas aos povos indígenas. Ao mesmo tempo, também contribuiu para a invisibilização da negritude amazônica, reforçando um discurso de miscigenação que favorece o branqueamento da história local.
Pará, terra indígena
A data de 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, é um momento para celebrar a resistência, mas também para refletir sobre as dívidas históricas que o Estado e a sociedade ainda têm com esses povos.
Quando a gente chama alguém de índio, não ofende só uma pessoa, ofende culturas que existem há milhares de anos. Esse olhar linear empobrece nossa experiência de humanidade.
Daniel Munduruku, escritor
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