Não há como negar que a ocupação da Secretaria de Educação do Pará (SEDUC) por lideranças indígenas e da educação pública de diversos municípios do estado já ganhou destaque no cenário político nacional e internacional.
Desde o dia 14 de janeiro, o prédio da SEDUC em Belém tem sido palco de intensos protestos contra a Lei Estadual 10.820/2024, que trouxe alterações para o cotidiano da educação indígena, quilombola e do campo, provocando forte resistência das comunidades e dos educadores nelas envolvidas, sobretudo por conta da conversão de aulas presenciais em virtuais.
Os manifestantes que chegaram à capital paraense oriundos de diversas aldeias do interior do estado, exigem a revogação total da lei e a exoneração do secretário estadual de Educação, Rossieli Soares.
Além da SEDUC, outros grupos de aldeias indígenas bloquearam a BR-163 em protesto contra a Lei nº 10.820/2024. A interdição causou engarrafamentos intercalados no quilômetro 922 da BR-163, no município de Belterra, oeste do Pará.
A Justiça Federal decidiu, na última sexta-feira (24), revogar parcialmente a determinação que exigia a desobstrução do trecho da rodovia. A decisão foi tomada após recursos apresentados pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Defensoria Pública da União (DPU), em defesa do direito de manifestação dos indígenas.
Pauta educacional, mas também política
Rossieli, que já foi secretário de educação em SP e no AM é apontado como indicação política direta de Michel Temer, vem demostrando estar afinado com o governador Helder Barbalho (MDB), agravando a forte cobrança política por parte dos indígenas e sindicalistas para sua exoneração.
Críticos apontam que a presença de Rossieli no governo do Pará reforça a herança política de alianças entre o governador e o ex-presidente Temer, sobretudo após o impeachment de Dilma Rousseff. Na época, Helder Barbalho se manteve no governo federal, onde esteve primeiramente como ministro da Pesca e Aquicultura e depois assumindo a Secretaria Nacional dos Portos.
Com o início do processo de impeachment de Dilma, encabeçado por lideranças nacionais do MDB, Helder pediu exoneração e logo que Temer assumiu a presidência da República, foi nomeado como ministro da Integração Nacional. A indicação de Rossieli no governo do estado seria uma “forra” de Helder a Michel Temer.
Tal conjuntura intensifica as cobranças por parte dos manifestantes, que o governo avalia como ultrapassar as reivindicações por mudanças na lei estadual ou em busca de melhorias no sistema educacional público e sim adentrando em um campo político de difícil acesso, o que gera expectativas por soluções imediatas e estruturais.
Os manifestantes que ocupam o prédio da SEDUC por 13 dias dizem que não estão com pressa e ameaçam a realização da COP 30, caso não tenham suas demandas atendidas.
Os riscos à imagem do governador e das divergências entre lideranças indígenas
Outra constatação que não se pode negar é que tanto o governo, quanto as lideranças indígenas sofrem desgastes políticos e de suas imagens, com o impasse até aqui mantido.
Helder Barbalho, além de governador do Pará, desponta como pré-candidato ao Senado e a Vice-Presidência nas eleições de 2026. Como idealizador e anfitrião da COP30, evento mundial que será realizado em Belém, o governador reeleito com ampla aprovação ainda no primeiro turno e o mais votado proporcionalmente nas últimas eleições gerais do país, agora enfrenta a busca por um delicado equilíbrio: manter a projeção da imagem de liderança política e ambiental e, ao mesmo tempo, lidar com protestos que evidenciam falhas em políticas locais que atingem comunidades e servidores públicos que alegam viver em vulnerabilidade social e econômica.
A ocupação da SEDUC tem potencial de desgastar sua imagem no plano nacional e internacional, colocando em xeque a narrativa de compromisso com os direitos indígenas e a sustentabilidade?
Ministério dos Povos Indígenas é cobrado
Em reunião realizada na tarde desta segunda-feira (27), a ministra dos povos indígenas, Sonia Guajajara foi enfática ao lembrar aos seus parentes que toda negociação requer que os lados estejam dispostos a buscar entendimentos para fechar acordos e que a manutenção de certas pautas acaba expondo o “racha” entre as diversas posições existentes no seio do movimento indígena, já que nem todos concordam em manter a ocupação da SEDUC e o fechamento da BR 163, já que o governo já sinalizou para a criação de uma comissão para rever e propor uma nova legislação educacional indígena, contando com a presença das diversas etnias existentes no estado do Pará.
Já o governo diz estranhar que as manifestações sejam mantidas, já que, segundo ele, as principais pautas dos manifestantes já foram atendidas, menos a exoneração do secretário de educação e a regovação total da lei 10.820/2024, que não se limita à educação indígena.
Quem mais perderá ou quem deixará de ganhar com a queda de braço entre governo e movimentos indígenas e sindicais, só o tempo e a habilidade dos agentes políticos e demais protagonistas deste processo dirão.
O certo até aqui é que muitos que fazem oposição ao governo estadual e federal, bem como interesses em “abocanhar” partes da COP30 para outros estados, aplaudem as manifestações e colocam ‘gasolina na fogueira’, sem nunca na história das lutas sociais terem apoiado os movimentos sociais e indígenas que agora incentivam e apoiam.
Intervenção federal e o papel da ministra Sonia Guajajara
Diante da escalada das tensões, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, foi enviada a Belém na tentativa de mediar o conflito e buscar uma solução pacífica. Sua presença simboliza o interesse do governo federal em evitar que a crise se torne um embaraço para a agenda nacional e internacional de defesa dos direitos indígenas.
Contudo, o descontentamento das lideranças com a gestão estadual e a falta de diálogo prévio para a elaboração da Lei 10.820 dificultam avanços imediatos nas negociações.
Impactos na política local: o SINTEPP e a disputa entre MDB e PSOL
Outro elemento que adiciona complexidade à situação é o papel do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (SINTEPP), dirigido pelo PSOL.
O sindicato vem sendo acusado nas redes sociais de instrumentalizar a ocupação para intensificar a disputa política com o governador Helder Barbalho, especialmente após o rompimento da aliança polítco-eleitoral entre o MDB e o PSOL.
A ruptura culminou na vitória de Igor Normando (MDB) para a prefeitura de Belém, encerrando o governo do PSOL na capital — um golpe significativo para o partido, que perdeu a única capital sob seu comando.
COP 30 sob risco?
Os protestos também geram preocupações sobre os impactos na organização da COP 30. Como anfitrião do evento, Helder Barbalho busca consolidar o Pará como um modelo de desenvolvimento sustentável.
No entanto, o tratamento da crise educacional e indígena pode minar essa narrativa, especialmente se houver repercussão negativa entre organizações internacionais e lideranças ambientais.
Desafios
A ocupação da SEDUC representa muito mais do que uma crise local. Ela expõe as contradições de alianças políticas e seus efeitos em partidos e movimentos sociais, bem como os desafios de articulação entre o governos e as comunidades indígenas, assim como com as tensões em torno de projetos futuros, como a COP 30.
A solução do impasse requer não apenas a revogação de medidas impopulares, mas também um reposicionamento estratégico de Helder Barbalho para manter seu protagonismo nacional e internacional e muito equilíbrio e coerência por parte das lideranças indígenas e sindicais envolvidas no outro lado da mesa de negociações.
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