Dr. Daniel Santos: entre o discurso de direita, as alianças à esquerda e as investigações por corrupção - Estado do Pará Online

Dr. Daniel Santos: entre o discurso de direita, as alianças à esquerda e as investigações por corrupção

Dr Daniel Santos (PSB) e Paulo Rocha (PT)
Dr Daniel Santos (PSB) e Paulo Rocha (PT), atual presidente da SUDAM, indicado por Lula. Foto: Redes Sociais/Reprodução

Quando um prefeito decide vestir duas camisas ao mesmo tempo, a costura costuma arrebentar em algum ponto. É exatamente essa contradição — pública, ruidosa e política — que acompanha Dr. Daniel Santos (PSB), prefeito de Ananindeua e figura crescente no xadrez do Pará. De um lado, discursos e articulações que flertam com a direita bolsonarista e aliados do campo político conservador; do outro, um gabinete de prefeito repleto de nomes oriundos de partidos de esquerda (PT, PSOL, PCdoB) e ex-adversários políticos acomodados em secretarias, muitos acusados de serem supostamente “funcionários fantasmas”. Enquanto isso, investigações do Ministério Público e operações judiciais empilhadas criam uma sombra pesada sobre sua pretensão de saltar da Prefeiturade Ananindeua para o Palácio dos Despachos.

A ascensão e o comando do PSB no Pará

Ao assumir a presidência do diretório estadual do PSB e se apresentar como alternativa ao atual grupo dominante no Estado — o da família Barbalho — Dr. Daniel conseguiu um efeito paradoxal: abriu caminho para alianças táticas com setores da direita e, ao mesmo tempo, atraiu lideranças tradicionais da esquerda para cargos de governo — numa combinação que mistura pragmatismo e espetáculo político. A aproximação com figuras nacionais como o vice de Lula (PT), Geraldo Alckmin e a presença de dirigentes do PSB reforçam a noção de que Daniel mira além de Ananindeua e que essa ambição o faz não ter lado definido, apenas discurso, observa um cientista político paraense.

Nomeações que incomodam — e explicam alianças

No papel, o prefeito diz governar para todos; na prática, trouxe para sua equipe nomes que já foram adversários históricos. A nomeação de Lívia Noronha — ex-PSOL, hoje no PT — para uma secretaria é o exemplo mais comentado: trata-se de uma ex-adversária que hoje ocupa cargo público na gestão que a derrotou, decisão que gerou debates internos e reação em sua antiga legenda. A presença de petistas, ex-psolistas e dirigentes de outras siglas de esquerda no secretariado alimenta a narrativa de um “abraço amplo” de Daniel — estratégia útil para construir base local, mas que amplifica a crítica sobre incoerência ideológica quando combinada com o tom conservador de alguns de seus discursos.

As investigações e as operações: Hades, Aqueronte e a sombra sobre contratos da saúde

A nuvem de suspeita que paira sobre o prefeito é concreta e documentada em diferentes frentes: operações do Ministério Público e pedidos de afastamento baseados em indícios de fraudes em licitações, desvios de recursos na área da saúde e lavagem de dinheiro. A chamada Operação Hades, entre outras apurações, levou a decisões judiciais de afastamento cautelar do cargo em agosto de 2025, segundo reportagens nacionais que catalogaram mandados e apreensões ligados a contratos e bens pessoais. Investigações também ligam indícios de irregularidades a contratos relacionados ao Hospital Santa Maria de Ananindeua e ao suposto prejuízo milionário em compra de materiais de saúde. Reportagens apontam valores consolidados de centenas de milhões em contratos sob suspeita e motivaram denúncias e pedidos de atuação do Ministério Público.

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O que os órgãos dizem (e o que a defesa responde)

Promotores e a Procuradoria têm, em documentos e pareceres, pedido medidas mais duras — incluindo manifestações contrárias a liminares que mantêm o gestor no cargo em algumas instâncias. Por sua vez, a defesa do prefeito afirma que não há provas suficientes para condenações e que decisões cautelares não devem sobrepor a vontade popular que o elegeu com larga margem. Esses embates judiciais e as peças processuais aparecem em veículos e colunas que acompanham a tramitação dos autos.

Romper com Helder Barbalho: ambição ou isolamento?

Outro nó político na trajetória recente de Daniel foi o rompimento com o governador Helder Barbalho (MDB). Após anos de relacionamento político — com apoios e convênios que fluentemente se renovavam e que potencializaram obras e serviços públicos em Ananindeua — a relação azedou em decorrência de disputas locais e resistência a acomodar um vice ligado ao MDB na chapa municipal. O afastamento do grupo governista estadual levou, segundo relatos locais e colunas políticas, a um processo de isolamento institucional e a episódios de “vetos” em eventos promovidos pelo governo do Estado. Esse racha tem implicações claras: diminuiu a margem de manobra administrativa e elevou o custo político de uma candidatura ao governo do Estado — justamente a ambição pública de Daniel, que enfrenta uma crise financeira e denúncias de mal uso dos recursos públicos.

Contradição em cena: discurso conservador x secretariado de esquerda

A síntese amarga dessa história é a seguinte: um líder que ecoa teses e retórica conservadoras em palanques e encontros, enquanto governa com um time costurado com petistas, ex-psolistas e comunistas locais — e que, ao mesmo tempo, é alvo de investigações por fraudes em contratos e desvio de recursos. Para eleitores e analistas, a estratégia pode até funcionar em curto prazo (relativa coalizão + visibilidade nacional), mas fragiliza a narrativa de coerência política e abre flancos — especialmente quando a credibilidade pública depende também da lisura administrativa.

E agora? O jogo para 2026 e o teste das instituições

Com 2026 no horizonte, a candidatura ao governo do Pará de Dr. Daniel será testada em dois campos: o eleitoral — onde tem impulso e aparente viabilidade em pesquisas internas — e o judicial — onde denúncias, operações e pareceres podem tanto frear a ambição quanto alimentar narrativas de perseguição, dependendo do desfecho das investigações. Mais do que nunca, a história de Ananindeua exige transparência: se Daniel quer realmente projetar um projeto de Estado, terá de enfrentar coerentemente as contradições dentro do próprio quintal — e responder, de forma pública e documentada, às acusações que hoje o acompanham nas páginas dos jornais e nas decisões judiciais.

O curioso deste capítulo da política paraense é que ele não é sobre um homem só: é sobre como se monta poder hoje — misturando pragmatismo partidário, alianças inesperadas e, às vezes, decisões administrativas que viram investigação. A pergunta que fica para moradores de Ananindeua e para o eleitorado do Pará é objetiva: a ambição de governar será validada nas urnas ou será cortada pelas respostas que a Justiça e o Ministério Público conseguirem demonstrar? Enquanto isso não se resolve, a costura da “camisa dupla” de Dr. Daniel continuará a rasgar debates e manchetes.

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