A crise na rede municipal de urgência e emergência de Belém chegou a um ponto crítico. Médicos que atuam nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) denunciam atrasos salariais de até cinco meses, redução de equipes e condições de trabalho cada vez mais precárias, após a troca da organização social (OS) responsável pela gestão das unidades.
Assista a entrevista exclusiva:
Troca de OS e atrasos de pagamento
Segundo relatos, o problema começou a substituição Group Med encarregada da gestão médica em quatro das cinco UPAs de Belém.
A mudança, que ocorreu no primeiro semestre deste ano, teria sido motivada por irregularidades no cumprimento de metas contratuais e dificuldades de fiscalização, segundo a própria prefeitura.
Na prática, contudo, os médicos afirmam que os atrasos nos repasses aumentaram e que o impasse entre prefeitura e empresas deixou profissionais sem receber pelos meses de agosto e setembro.
“A prefeitura alega que repassou os valores, mas as empresas dizem que há uma dívida de cerca de R$ 3 milhões. Enquanto isso, quem trabalha não vê o salário cair”, relatou um médico ouvido pela reportagem.
Modelo de contrato contestado
Os profissionais também criticam a forma de contratação imposta pelas empresas gestoras.
Em vez de receberem como pessoa jurídica (PJ) ou contratados diretos, os médicos são enquadrados como “sócios cotistas” das empresas prestadoras de serviço.
Esse modelo, além de dificultar o vínculo trabalhista, deixa os profissionais sem garantia de pagamento em caso de atrasos nos repasses.
“Não somos funcionários nem autônomos. Recebemos como se fôssemos sócios, mas não temos voz nas decisões e ficamos sem proteção quando o dinheiro não chega”, afirmou outro médico.
Sobrecarga e queda na qualidade do atendimento
Com a nova gestão, houve também mudança na escala de plantões. Antes, cada UPA contava com quatro médicos durante o dia e três à noite. Agora, a estrutura foi reduzida, enquanto o número de atendimentos segue alto. Em algumas unidades, um único profissional chega a atender mais de 170 pacientes em 12 horas — muito acima do limite recomendado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que prevê três atendimentos por hora para garantir qualidade e segurança ao paciente.
“Com essa carga, não existe atendimento humano. Cada paciente tem, em média, três minutos de consulta. É desumano tanto pra quem atende quanto pra quem precisa de cuidado”, desabafa o profissional.
Risco de colapso e atuação do Ministério Público
Diante da situação, médicos das UPAs, prontos-socorros e unidades mistas se uniram e buscam apoio do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público do Trabalho (MPT).
Entre as reivindicações estão a proibição desse modelo de contratação de “sócio cotista”, a regularização dos pagamentos e transparência nos repasses entre prefeitura e organizações sociais.
O MPF já acompanha o caso e deve convocar uma nova reunião com representantes da Secretaria Municipal de Saúde e das empresas gestoras.
Sistema defasado e alerta para a COP-30
Para os profissionais da linha de frente, o sistema de urgência e emergência de Belém já opera no limite — e pode colapsar com o aumento da demanda durante a COP-30, que será realizada na capital em 2025. Eles apontam falta de estrutura, demora em transferências e ausência de medicamentos essenciais, como fibrinolíticos usados em casos de infarto.
“Protocolos básicos, como o de atendimento a infarto e AVC, simplesmente não funcionam por falta de estrutura. A rede é frágil e a COP-30 vai expor isso como nunca”, alerta um dos médicos.
Situação em análise
A prefeitura de Belém e as organizações sociais citadas foram procuradas pela reportagem, mas não responderam até o fechamento desta edição.
Enquanto isso, o impasse continua, e os profissionais afirmam que não há previsão para a regularização dos pagamentos.
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