A ponte incendiada que interrompeu a remoção de madeira apreendida em Uruará não ficou restrita ao impacto imediato daquela noite tensa de maio de 2020. O episódio, antes tratado como ato isolado, reapareceu agora na esfera judicial com peso decisivo: 33 pessoas e 10 empresas passaram oficialmente à condição de rés por crimes ambientais e conexos.
O avanço do processo ocorreu no fim de novembro, quando a Justiça Federal recebeu as denúncias apresentadas pelo MPF, reconhecendo que os delitos atingiram interesses da União, desde a agressão a servidor federal à exploração em terras públicas e indígenas. O órgão divulgou a decisão nesta sexta-feira, 12.
O ataque ao comboio do Ibama é o ponto que amarra toda a investigação. Horas antes da emboscada, fiscais haviam retirado de uma gleba do Incra tratores, caminhões e 60 toras de ipê e cumaru, apreendidos durante uma operação de rotina. A retirada dos bens seguia para Uruará quando pneus em chamas bloquearam uma ponte e um dos agentes foi atingido no rosto por uma garrafa de vidro. A equipe precisou recuar, e os manifestantes aproveitaram para reaver os veículos tomados pela fiscalização.
O que parecia revolta espontânea não resistiu ao escrutínio de mensagens, áudios e quebras de sigilo feitas pela Polícia Federal e pelo MPF. As apurações reconstruíram o episódio como peça de um engrenado esquema de exploração ilegal de madeira, corrupção e lavagem de dinheiro, dividido em vários núcleos de atuação.
Núcleos revelados pela investigação
A complexidade do caso levou o MPF a estruturar as denúncias em seis frentes distintas, todas agora convertidas em ações penais:
- Extração ilegal: desmatamento em terras públicas e avanço sobre áreas do Incra e a Terra Indígena Arara, mesmo após embargos. Laudos com imagens de satélite confirmaram a continuidade dos cortes.
- Reação violenta: grupo responsável pela emboscada de 5 de maio de 2020. Áudios e mensagens identificaram quem planejou, articulou e executou o ataque, além de quem ocultou os veículos.
- Corrupção de agentes públicos: policiais militares recebiam propina para liberar cargas e evitar fiscalizações.
- Esquema de ‘esquentamento’: empresários usavam Guias Florestais falsas para dar aparência legal a madeira clandestina, com participação de uma madeireira que servia como fachada.
- Fraudes e logística: venda e beneficiamento de madeira clandestina, manipulação de créditos florestais e emissão de documentos fraudulentos.
- Falsidade ideológica em larga escala: notas frias e créditos fictícios para encobrir madeira retirada de Uruará e Medicilândia, enquanto ERBs mostravam que os caminhões jamais passaram pelas cidades indicadas nas guias.
Provas e enquadramentos
Interceptações telefônicas, análises bancárias e laudos técnicos do Sisflora revelaram discrepâncias enormes entre estoques físicos e registros digitais das empresas envolvidas. A partir desse material, o MPF atribuiu aos réus crimes como organização criminosa, lavagem de capitais, corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica, receptação qualificada, obstrução de fiscalização, desmatamento em terras públicas e associação criminosa.
O processo segue agora para a fase de instrução, onde o conjunto de provas será confrontado com as defesas dos acusados.











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