A disputa pela posse da Ilha Grande, localizada na região insular de Belém, chegou ao fim após 13 anos de processo judicial. OTribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) atendeu a um recurso do Ministério Público Federal (MPF) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e determinou o cancelamento da matrícula e do registro particular da Ilha Paulo da Cunha, também conhecida como Ilha Grande. A decisão unânime da Quinta Turma reafirma a propriedade pública da área, impedindo a apropriação indevida e reforçando a proteção do patrimônio nacional.
A região insular de Belém é formada por 42 ilhas. Uma delas é a Ilha Grande, com 922,8 hectares, onde vivem comunidades ribeirinhas há décadas. Entre os moradores está Maria Rosa, dona de casa que há mais de 40 anos tira dali o sustento da família.
“Antigamente tinha um homem chamado Salomão Donato, que se dizia dono das terras. Tudo o que a gente produzia tinha que dividir com ele: cacau, açaí, a venda de animais, mariscos, tudo. Depois que ele morreu, o filho dele começou a fazer a mesma coisa. E pra nós era muito difícil, porque a gente só sobrevive disso”, relatou.

Agora, com a decisão judicial, dona Rosa fala em alívio e gratidão. “Eu agradeço muito ao Ministério Público. É muito importante entender que nós somos protetores dessa área e que também precisamos dela para sobreviver”, disse.
‘Donos’ cometiam crimes ambientais, diz MPF
Segundo o procurador Felício Pontes Júnior, a prática de se declarar proprietário de áreas inteiras na região insular era comum no passado, o que gerou distorções graves. “Antigamente era muito fácil você dizer que era dono de um lugar. Bastava colocar no livro que possuía tantos hectares. Nesse caso, o suposto dono dizia ter mais de mil hectares, quando a ilha tem 922. Essa discrepância revelou indícios de grilagem de terras, o que motivou a ação civil pública. Foram 13 anos de disputa até chegarmos a essa decisão”, explicou.
Com a anulação do título, a Ilha Grande retorna integralmente ao patrimônio da União. Segundo Felício, o reconhecimento público permite também novas possibilidades para os ribeirinhos. “Nós realizamos uma concessão de uso diário que possibilita às comunidades acessar crédito em bancos, melhorar economicamente e fortalecer o desenvolvimento sustentável da área”, completou.
Ribeirinho: Guardião da Natureza
Para especialistas, o papel dessas comunidades é essencial na preservação ambiental da ilha. “Os ribeirinhos são guardiões naturais do território: mantêm práticas de pesca e extrativismo sustentáveis, protegem a biodiversidade e cuidam das florestas e igarapés. Com a decisão, eles passam a ter mais segurança para permanecer no território e continuar desempenhando esse papel”, afirma a engenheira ambiental Paula Wanessa.
Linha do tempo da disputa pela Ilha Grande
- 2012 – O Ministério Público Federal (MPF) entra com ação civil pública contra o suposto proprietário da Ilha Grande, alegando indícios de grilagem e reforçando que, por ser fluvial e sofrer influência das marés, a área é bem da União.
- 2013 a 2018 – Ação segue em análise na Justiça Federal. Nesse período, moradores continuam sendo obrigados a dividir parte da produção agrícola e extrativista com quem se dizia dono das terras.
- 2019 – MPF e Incra reforçam a tese de irregularidade no registro cartorial: matrícula apontava mais de mil hectares, quando a ilha tem apenas 922,8.
- 2020 a 2024 – Disputa avança no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). Ribeirinhos intensificam denúncias de abusos e pressão sobre a comunidade.
- Agosto de 2025 – Quinta Turma do TRF1 decide, por unanimidade, cancelar a matrícula e o registro particular da Ilha Grande. Justiça confirma a área como patrimônio da União, abrindo caminho para a regularização fundiária e a emissão de título coletivo às comunidades.
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