Um pano bege cobre o fundo do altar da igreja Santa Luzia, em Anapu, no Pará, ocultando a pintura que homenageia a memória de Dorothy Stang. A missionária católica norte-americana foi executada com seis tiros há 20 anos, em 12 de fevereiro de 2005, em um crime que chocou o mundo.
O padre responsável pela paróquia alega que a decisão de esconder a obra em tributo à freira — ícone da defesa de trabalhadores sem-terra e voz ativa na denúncia contra latifundiários e desmatadores da Amazônia — não tem motivação política.
No entanto, amigos e militantes de movimentos sociais enxergam no ato uma maneira de “invisibilizar” a luta pela reforma agrária, numa região marcada há décadas por sangrentos conflitos por terra.
“É uma tentativa de apagar uma luta por reforma agrária ambientalmente diferenciada para a Amazônia”, lamenta Tarcísio Feitosa, ambientalista que conviveu com Dorothy e hoje atua na coalizão internacional Florestas & Finanças.
Anapu é uma das cidades mais violentas da região, palco de centenas de conflitos fundiários. Ocupa o 13° lugar no ranking de mortes violentas intencionais nas cidades da Amazônia Legal, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A população de 35 mil habitantes se espalha por um imenso território, equivalente ao tamanho de países como a Jamaica ou o Catar.
Desde o assassinato de Dorothy, outras 21 pessoas foram executadas por questões ligadas à terra, segundo dados da CPT (Comissão Pastoral da Terra), braço da igreja católica que atua com trabalhadores rurais.
Padre diz que fiéis se ‘incomodavam’ com pintura
Pintado quatro anos após o crime de ampla repercussão internacional que escancarou a violência dos conflitos por terra na Amazônia, o painel retrata Jesus Cristo crucificado em uma árvore, vestido com roupas simples, chapéu de palha, pele queimada pelo sol, como se fosse um posseiro ou um trabalhador rural sem-terra.
Ao lado de Jesus, sobre troncos de árvores cortadas, estão representadas a irmã Dorothy e o padre Josimo Tavares, também assassinado em 1986 no Maranhão, após sofrer ameaças de fazendeiros. Assim como a freira, o padre fazia parte da CPT.
“A maioria dos fiéis dizia que quando ia rezar não gostava de ver a pintura e os desenhos”, justifica o padre Josemar Lourenço, a respeito do pano bege tampando o altar. Ex-investigador da Polícia Civil da Paraíba, o padre foi ordenado há quatro anos e, imediatamente, assumiu o comando da igreja em Anapu.
Lourenço diz que atendeu a uma demanda da comunidade e que o assunto foi discutido em uma reunião do conselho pastoral, onde a maioria optou por ocultar a homenagem à irmã Dorothy. “Não tem relação com a política”, garante o religioso. Ele cita ainda uma orientação da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) para a retirada da imagem.
O antropólogo e professor Edmilson Rodrigues discorda. “Partes da Igreja, que são financiadas por fazendeiros, tentam inviabilizar figuras emblemáticas, como a irmã Dorothy”, afirma ele, que é autor de uma tese no doutorado sobre a sacralização de lideranças camponesas na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Ao saber que a homenagem a Dorothy no altar estava coberta por um pano, o procurador-regional da República, Felício Pontes, afirmou ter ficado arrasado. “Depois entendi que aqueles que são contrários a tudo que Irmã Dorothy fazia ainda estão por aí, e suas influências atingem até mesmo a Igreja Católica”, pondera o procurador, que atuou na investigação e denúncia dos assassinos da missionária.
Cinco homens foram condenados por tramarem e executarem o assassinato da religiosa. Apenas um deles segue atrás das grades, de acordo com a Seap (Secretaria de Administração Penitenciária do Pará): Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, que efetuou os seis disparos.
Clodoaldo Carlos Batista, comparsa no momento da execução, cumpre pena em regime domiciliar, assim como Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, e Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, ambos condenados como mandantes do crime. Já Amair Feijoli Cunha, o Tato, responsável pela ponte entre os mandantes e os executores, cumpre pena em regime aberto.
Com informações ILC notícias/ reporter Brasil
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