Exploração infantil no Marajó: especialista explica a realidade por trás da polêmica

Segundo o Observatório do Marajó: "a população marajoara não normaliza violências contra crianças e adolescentes. Insiste nessa narrativa quem quer propagá-la e desonrar o povo marajoara".

Menino na beira da praia
Reprodução / Internet

Pedro Garcia, com supervisão e conclusão de Sarah Carvalho

Após cantora viralizar com uma música denunciando abuso infantil no Marajó, a equipe de reportagem do Portal Estado do Pará Online preparou esta matéria para fornecer uma análise detalhada de toda essa repercussão em cima do arquipélago, contando com a perspectiva de um especialista.

Ciente da necessidade de cuidado ao consumir informações online, nossa equipe procurou o Dr. Aiala Colares, especialista em Segurança Pública e porta-voz do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, para explicar o contexto do que vem sendo disseminado na internet.

Marajó como “Bode Expiatório”

Aiala diz que o arquipélago do Marajó está sendo usado como uma espécie de “bode expiatório” para um problema que acontece em todo o Brasil. É necessário considerar vários aspectos relacionados ao que está acontecendo. Um deles é a questão da diversidade da natureza. Por exemplo, o arquipélago do Marajó é formado por 16 municípios que ficam distantes uns dos outros e que têm dificuldade de integração, acesso aos serviços e segurança pública, bem como dificuldade de acesso à energia elétrica e à internet. De certa forma, essa precarização também envolve a infraestrutura, dificultando a fixação de profissionais na região. Tudo isso está ligado a um histórico de desigualdade que é reproduzido por uma lógica de economia de mercado que trabalha por uma perspectiva de exploração e que colocou essa região no patamar de desigualdade, assim como outras regiões do Brasil, seja no interior do Nordeste, no interior do Sudeste ou em qualquer região periférica do país.

“Vamos encontrar esses problemas no baixo Tocantins, no interior do Amazonas, no interior do Maranhão, do Piauí, do Ceará, nas periferias do Rio de Janeiro, em São Paulo, em Salvador. Em todos os locais periféricos do país vamos encontrar alguma coisa relacionada ao narcotráfico, ao tráfico de pessoas, à exploração sexual, à violência contra mulheres, etc. Temas que agora apareceram colocando o Marajó como uma espécie de referência. Então, isso já me deixa preocupado, porque colocam o Marajó na condição de bode expiatório para um problema que é geral.” Afirmou, Aiala Colares.

Problemática de exploração sexual

O doutor também explicou que existe sim um problema de exploração sexual no Marajó, mas também existe na periferia de Belém e em outros lugares do país. Segundo ele, no Marajó existe a exploração sexual infantil e não a prostituição. A imagem que querem passar é de que a população é conivente com toda desgraça, mas essa não é a realidade. É preciso ter responsabilidade acerca do debate que se faz, não se pode generalizar, pois assim como acontece no Marajó, acontece em todo canto do planeta.

“Pegaram um vídeo deturpado de uma imagem que mostra as crianças no barco, e aquilo não significa que as crianças estão indo se prostituir. É óbvio que existe exploração sexual no Marajó, mas existe aqui na periferia de Belém. É óbvio que existe um problema maior lá, mas há 20 anos atrás isso já vinha sendo denunciado. Existem muitos casos de abuso dentro das próprias famílias, mas é importante deixar claro que aqui em Belém também existe isso. O que não pode é repercutir a informação de que é no Marajó que acontecem todas as coisas ruins do mundo.” Ressaltou Aiala.

No Marajó existem três vezes mais igrejas do que escolas e hospitais, e ainda assim existem problemas como a exploração sexual, violência e abuso contra mulheres. Precisamos entender que isso tem muito mais a ver com o modelo político institucionalizado nos municípios da região. Esses lugares necessitam de políticas públicas que realmente funcionem para acontecer, de fato, um desenvolvimento econômico e social.

Problemas atuais na região:

Segundo ele, os verdadeiros problemas a serem expostos seriam as questões ambientais, pois estas geram um impacto direto na vida das comunidades ribeirinhas. Essas comunidades dependem da relação com a natureza, do extrativismo do açaí, da coleta de miriti e da pesca. Ou seja, essas atividades servem como fonte de subsistência para essas comunidades. Então, precisamos ter no Marajó condições para que essa extração de recursos naturais continue a acontecer, e a única forma de conseguir isso é através do combate ao aquecimento global e à exploração de algumas empresas que compram açaí na fonte dos ribeirinhos, diminuindo a oferta do fruto nas cidades.

“Eu não preciso ter um shopping no Marajó, nem um condomínio fechado. Eu preciso ter condições para que essa extração dos recursos naturais continue a acontecer. No ano passado, a produção do pescado de camarão foi comprometida pela estiagem e pela seca na região amazônica, comprometendo a subsistência das comunidades. No ano passado e também no início deste ano, o comércio do açaí também está abalado no consumo das cidades do Marajó, já que não tem mais. As empresas estão comprando na fonte dos ribeirinhos, isso faz com que diminua a oferta de açaí nas cidades, ou seja, essas questões estão criando um impacto no consumo, bem como o aquecimento global criando impacto na segurança alimentar do Marajó.” Explicou o doutor Aiala Colares.

O portal Estado do Pará Online também procurou o Observatório do Marajó, que é um observatório cidadão de políticas públicas do Marajó e seus 16 municípios. Em nota, concordaram que o que circula nas redes não é a verdade absoluta: “A propaganda que associa o Marajó à exploração e ao abuso sexual não é verdadeira: a população marajoara não normaliza violências contra crianças e adolescentes. Insiste nessa narrativa quem quer propagá-la e desonrar o povo marajoara.” Veja a nota completa abaixo.

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