Belém retoma sua rotina após o movimento intenso provocado pela COP30. As vias revitalizadas, novos equipamentos urbanos, áreas requalificadas e intervenções estruturais deixaram marcas visíveis na cidade. Alguns desses avanços alcançaram também bairros periféricos, oferecendo à população serviços e espaços antes indisponíveis. É um legado concreto e inegável.
Mas, à medida que o evento internacional fica para trás, retorna uma pergunta inevitável: que normal é esse ao qual voltamos?
Os dados mais recentes sobre o Pará revelam um cenário complexo e persistente. Segundo levantamentos nacionais, cerca de 44% dos paraenses convivem com insegurança alimentar. Mais de 1,3 milhão dependem do Bolsa Família e aproximadamente 450 mil pescadores contam com o seguro-defeso para sobreviver parte do ano. Belém ainda figura entre as capitais com menor cobertura de saneamento básico, e municípios como Melgaço, Chaves, Anajás e Jacareacanga seguem entre os piores índices de desenvolvimento humano do Brasil.
Esses números não começaram ontem e tampouco pertencem a um governo ou ciclo político específico. São desafios históricos, acumulados por décadas de urbanização desigual, ausência de planejamento territorial e distâncias geográficas que dificultam a presença do Estado em regiões isoladas.
Nas periferias da capital e em dezenas de municípios paraenses, a vida cotidiana continua marcada por limitações no acesso à água tratada, coleta de esgoto, educação de qualidade, mobilidade e serviços públicos essenciais. Em muitos bairros, não há árvores. Não porque foram removidas, mas porque jamais houve espaço para elas. Nas ocupações adensadas, ruas estreitas e quintais inexistentes refletem a história de uma cidade que cresceu antes de ser pensada.
Esse retrato contrasta com as imagens internacionais de Belém durante a COP30. Enquanto líderes globais discutiram o futuro climático do planeta, a cidade expôs, de forma silenciosa, o outro lado do debate: o impacto real das desigualdades sociais no enfrentamento da crise climática.
O Pará é síntese da Amazônia brasileira: uma região de biodiversidade única, culturas diversas, potencial econômico extraordinário e, ao mesmo tempo, desigualdade profunda entre riqueza natural e pobreza humana.
A pergunta central permanece: como superar as condições precárias de vida nas periferias paraenses, uma realidade que atravessa gerações?
Melhorias pontuais ajudam, mas não resolvem. O momento exige políticas públicas duradouras, planejamento de longo prazo e um projeto de Estado que integre desenvolvimento social, proteção ambiental, bioeconomia e justiça climática.
Se a COP30 deixou uma lição, ela é simples e urgente: não haverá futuro sustentável sem dignidade presente.
Belém volta ao normal. Mas talvez seja tempo de reconhecer que esse “normal” já não serve mais.












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