Editorial: Belém, entre impérios, rios e futuros - Estado do Pará Online

Editorial: Belém, entre impérios, rios e futuros

Séculos depois do Grão-Pará, a capital amazônica retoma sua voz no palco global com a COP30

Rafa Neddermeyer/COP30 Amazônia/PR

Há cidades que carregam o tempo como quem carrega o próprio destino. Belém é uma delas. À beira da baía do Guajará, onde o rio Guamá se encontra com as marés vindas do Atlântico, ela nasceu entre águas e impérios. Fundada em 1616, com o Forte do Presépio e uma pequena capela, a cidade surgiu como o ponto de partida da colonização portuguesa na Amazônia. Era o posto avançado do velho mundo diante do desconhecido verde que parecia não ter fim.

Durante mais de um século, Belém não olhava para o Rio de Janeiro ou para Lisboa como uma colônia distante. Era, na verdade, o centro de um outro país: o Estado do Grão-Pará e Maranhão, criado em 1621 e consolidado em 1737, quando Belém se tornou sua capital. Nesse tempo, a Amazônia formava uma unidade política própria, com laços diretos com a metrópole portuguesa. O Grão-Pará não dependia do sul, mas se comunicava por mar com a Europa. Exportava especiarias, cacau, madeiras e látex; recebia missionários, soldados e ordens régias.

O território era vasto, imenso, indo do Maranhão ao que hoje é o Acre. Um mundo dentro do mundo, regido por rios e por uma lógica própria de poder. Havia um sonho, ainda que não dito, o de ser país. Mas o tempo dos impérios é também o tempo das perdas. Em 1772 o Grão-Pará foi desmembrado para criar o Estado do Grão-Pará e Rio Negro. Pouco depois, com a Independência do Brasil, o norte perdeu autonomia. O que era uma nação dentro da colônia se tornou província de um novo império. O centro se deslocou para o sudeste e Belém começou a se afastar do poder, embora jamais da história.

Hoje, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declara Belém capital do Brasil durante a COP30, há algo de simbólico nesse gesto. É como se o país inteiro, por um breve momento, lembrasse que já houve dois Brasis e que um deles nascia daqui. A Amazônia, afinal, sempre teve suas cidades de referência, como Manaus e Macapá. Mas é Belém, por sua posição e memória, que continua sendo o portal da floresta, a cidade onde o tempo se mistura entre casarões coloniais, palacetes da borracha e ruas que ainda guardam o traço da antiga cidade portuguesa erguida sobre terras indígenas.

Centralidade amazônica

Na COP30, Belém não é apenas palco de debates ambientais. É testemunha viva de um ciclo que se repete. A cidade volta ao mapa do mundo não pelo ouro ou pelas drogas do sertão, mas pelo direito de existir em meio à urgência climática. Fala-se em emissões, metas e acordos, mas o que ecoa de verdade é o som dos rios e das chuvas, lembrando que o futuro passa por aqui e que a Amazônia, por séculos vista como margem, é agora o centro.

E assim, entre rios que correm para o mar e memórias que correm para o futuro, Belém reencontra seu destino. Já foi capital de um império esquecido, hoje é capital de um planeta que tenta se redescobrir. Talvez, no fundo, sempre tenha sido isso, a capital de um sonho que insiste em não morrer.

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