A Câmara dos Deputados aprovou, na última quarta-feira (22), por 398 votos a favor e 30 contrários, o regime de urgência para o Projeto de Resolução 71/2025, que cria oficialmente a chamada Bancada Cristã. A medida permitirá que o texto seja votado diretamente em plenário, sem passar pelas comissões, e reacendeu o debate sobre o respeito ao princípio do Estado laico.
Em pronunciamento no mesmo dia, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que o requerimento de urgência foi levado à Mesa Diretora “a pedido das frentes parlamentares evangélica e católica”, e que a proposta busca unir esforços “em pautas de interesse da população cristã”. O anúncio foi feito durante um culto ecumênico realizado dentro da própria Casa, o que também gerou críticas.
Origem e conteúdo da proposta
O projeto foi apresentado pelos deputados Gilberto Nascimento (PSD-SP) e Luiz Gastão (PSD-CE), presidentes das frentes parlamentares evangélica e católica. Pelo texto, a nova bancada terá coordenação-geral, três vice-coordenadorias e direito a voz e voto nas reuniões de líderes partidários, além de poder se manifestar em plenário por até cinco minutos semanais. Caso seja aprovado, o grupo se somará às bancadas feminina e negra, já reconhecidas no regimento interno.
Os autores do projeto sustentam que a medida busca dar visibilidade a uma maioria da população que se identifica como cristã. “Não é uma bancada confessional, mas de valores compartilhados pela sociedade”, justificou Nascimento. Para ele, o espaço formal da bancada traria transparência e organização à atuação dos parlamentares cristãos, hoje dispersos em frentes parlamentares distintas.


Críticas e questionamentos
Críticos da medida, como o deputado Henrique Vieira (PSOL-RJ), afirmam que a criação de uma bancada com base religiosa contraria o artigo 19 da Constituição Federal, que proíbe à União, aos estados e aos municípios estabelecer cultos religiosos ou manter relações de dependência com igrejas. Segundo ele, o Estado deve assegurar a liberdade de crença sem favorecer qualquer fé. “Religião não pode virar privilégio político”, disse o parlamentar.
Outros deputados de oposição também reagiram negativamente à criação de um bloco religioso dentro do Parlamento. A deputada Talíria Petrone (Psol-RJ) afirmou que o projeto “estabelece uma aliança de natureza religiosa dentro da estrutura do Legislativo”, o que fere o princípio constitucional da laicidade do Estado. Já o líder do PDT, Mário Heringer (MG), avaliou que a medida “discrimina outras religiões”.
🚨O Estado é laico! Hoje, a Câmara aprovou a urgência de um projeto que cria uma chamada “bancada cristã”, com direito a voto no colégio de líderes. E nós votamos contra. Não porque somos contra a fé, pelo contrário. Respeitamos e defendemos toda forma de crença, todo credo, toda… pic.twitter.com/Nb5xdeAjaR
— Talíria Petrone (@taliriapetrone) October 22, 2025
Nas redes, internautas exprimem divisões: há insatisfação de quem denuncia o privilégio institucional dado a uma fé dentro da Casa legislativa, ao mesmo tempo em que seguidores de pastores e parlamentares de direita celebram a iniciativa como conquista política dos “cristãos conservadores”.



Especialistas em direito constitucional reforçam que o princípio da laicidade não impede a manifestação religiosa de cidadãos ou parlamentares, mas veda a institucionalização de religiões no espaço público estatal. Para o constitucionalista Pedro Estevam Serrano, a proposta “coloca em risco o equilíbrio entre liberdade religiosa e neutralidade estatal, pilares da democracia brasileira”.
Prioridades em disputa
A aprovação da urgência da PRC 71/2025 ocorre no momento em que importantes pautas sociais seguem engavetadas, entre elas o fim da escala 6×1 para trabalhadores, cuja tramitação esbarra em resistência política, negociações e indefinição de impacto econômico. O avanço rápido de pautas ideológicas e religiosas em relação a pautas trabalhistas práticas reforça uma perda de foco no trabalho dos deputados que, teoricamente, deveriam legislar para o povo.
Reação da base cristã
Defensores da proposta alegam que mais de 80% da população brasileira se declara cristã e que o novo bloco representa “o reconhecimento de uma realidade social consolidada”. O deputado Otoni de Paula (MDB-RJ) afirmou que a iniciativa “fortalece o movimento conservador na Câmara”.
A proposta, que ainda aguarda votação de mérito, divide o Congresso. Enquanto parte dos deputados a considera um avanço na representatividade, outros veem nela uma afronta ao Estado laico e uma potencial fonte de discriminação a outras crenças. O tema promete seguir no centro das discussões legislativas, com impactos que ultrapassam o campo religioso e tocam diretamente a estrutura constitucional brasileira.
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