Contrato milionário: Prefeitura de Belém serve má alimentação a Warao em abrigo, diz jornalista - Estado do Pará Online

Contrato milionário: Prefeitura de Belém serve má alimentação a Warao em abrigo, diz jornalista

Reportagem de Adriano Wilkson mostra que café da manhã se resume a bolacha e café, apesar de contrato de R$ 4,2 milhões prever variedade e itens de R$ 13.

Uma reportagem de Adriano Wilkson para o portal O Joio e O Trigo revelou a situação precária de cerca de cem indígenas Warao, refugiados da crise venezuelana, em um abrigo municipal de Belém (PA). A alimentação servida no local, que deveria ser completa e nutritiva, está muito aquém do que a Prefeitura de Belém, sob a gestão do prefeito Igor Normando (MDB), pagou em um contrato milionário. Por meses, o café da manhã dos abrigados se resumiu a café com leite, quatro bolachas água e sal e uma laranja, contrastando com a variedade de cuscuz, ovo e queijo prometida no papel.

​A situação de má alimentação e insalubridade começou a se agravar após um decreto de corte de gastos em janeiro deste ano. A medida levou ao rompimento de contratos antigos e ao fechamento da cozinha comunitária do abrigo. Para fornecer as refeições, a Funpapa (Fundação Papa João XXIII) assinou um contrato emergencial de R$ 4,2 milhões, sem licitação, por seis meses, com a empresa “Prospera Service” para a entrega de marmitas.

​No papel, o contrato previa que cada café da manhã custaria R$ 13 aos cofres públicos, com itens variados, e que almoço e jantar valeriam R$ 26, incluindo vegetais, açaí e até três tipos de proteína. Na prática, no entanto, a comida que chega é “muito mais modesta“, conforme relatado por funcionários como Rayme Sousa. Ele e outros servidores denunciaram que a qualidade e a quantidade da comida caíram drasticamente e que as marmitas se repetem, chegam frias e com aspecto de terem sido preparadas no dia anterior.

​A situação é ainda mais grave ao se constatar que a empresa contratada, a “Prospera Service“, que ganhou o valoroso contrato, funciona em um local que se parece mais com uma oficina mecânica do que com uma cozinha industrial, e se recusou a dar explicações ao Joio. Servidores ainda apontaram que os carros que entregam as marmitas pertencem, na verdade, a uma empresa concorrente, a MWS Eventos, levantando dúvidas sobre a execução do acordo.

​Além da alimentação, as condições do abrigo são desumanas. O galpão, alugado como solução provisória há seis anos, é escuro, fechado e com pouca ventilação. No momento da visita da reportagem, o banheiro masculino estava sem água, com fezes acumuladas. Não há quartos, privacidade, nem estrutura para oficinas ou uso da sala de informática. Em meio a esse cenário, um casal de idosos foi flagrado cozinhando em um fogareiro improvisado.

​Apesar das condições precárias, os indígenas Warao, que fugiram da Venezuela e vivem de doações (alguns perderam o acesso a programas de renda como o “Bora Belém“, extinto pela gestão atual), expressam gratidão pelo acolhimento. Contudo, as denúncias de “desmonte” da assistência social por servidores da Funpapa levaram a Defensoria Pública do Estado a mover uma Ação Civil Pública contra a prefeitura por insalubridade e abandono em outubro.

​A Justiça paraense agendou uma audiência de conciliação para 1º de dezembro, buscando garantir a dignidade dessas pessoas. Segundo o defensor Carlos Eduardo Barros da Silva, a ação se tornou indispensável diante do estado de abandono que compromete a alimentação e o desenvolvimento dos Warao, em especial crianças e adolescentes. A Prefeitura de Belém não respondeu aos questionamentos da reportagem do Joio sobre a discrepância entre o contrato e a comida efetivamente entregue.

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