Um relatório alarmante do Grupo de Tratamento de Minérios, Energia e Meio Ambiente da UFPA revelou que crianças do povo Xikrin do Cateté, no Pará, apresentam níveis excessivos de metais pesados em seus corpos. Em um caso chocante, um bebê de apenas um ano registrou níveis de manganês 6.600% acima do máximo tolerado, além de conter seis elementos químicos em concentrações prejudiciais à saúde.
O estudo, divulgado pelo site UOL, abrangeu exames em 121 crianças, com idades entre um e dez anos, que apresentaram um ou mais metais em teores perigosos. Segundo os pesquisadores, a contaminação – que pode ter ocorrido desde a gestação e se estender à amamentação – evidencia um cenário de risco contínuo para a saúde dos indígenas.
Os Xikrin do Cateté, população de aproximadamente 1,6 mil pessoas distribuídas em 21 aldeias na Amazônia paraense, estariam sendo afetados diretamente pelas atividades mineradoras da Vale, apontadas como fonte de poluição do rio Cateté. Diante dos dados, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou, no último dia 21, com ação contra a Vale, a União e o governo do Pará, exigindo medidas reparadoras e compensatórias pelos danos causados aos indígenas.
O relatório detalha o caso de uma criança de 2 anos que apresentou dez elementos em excesso em seu organismo, dentre eles:
• Silício (Si)
• Estrôncio (Sr)
• Níquel (Ni)
• Cobalto (Co)
• Manganês (Mn)
• Bário (Ba)
• Magnésio (Mg)
• Sódio (Na)
• Potássio (K)
• Alumínio (Al)
Dois elementos chamaram atenção especial: o bário, 720% acima do limite tolerado, e o manganês, com 1.483% acima do máximo permitido.
“Como pode uma criança de 1 ano – que ainda não frequenta o rio – apresentar dez metais ou mais de cinco metais em seu corpo, com concentrações absurdamente altas?”, indaga o professor Reginaldo Saboia de Paiva, da UFPA. O estudo alerta que o acúmulo desses elementos pode levar a mau funcionamento dos rins e a diversas doenças deletérias, caso não haja intervenção médica especializada.
A análise de 732 dos 1.600 indígenas testados aponta que a população possui 32 elementos químicos em excesso, dos quais 22 são metais – sete considerados extremamente tóxicos. Os pesquisadores atribuem essa contaminação à “mineração inconsequente”, que permite a dispersão de metais pesados no ambiente.
Os procuradores do MPF afirmam que as evidências científicas comprovam a responsabilidade da Vale, ressaltando os princípios do poluidor-pagador e da precaução. A ação judicial enfatiza que a Terra Indígena Xikrin do Cateté está cercada pelos empreendimentos mineradores da empresa, reforçando a relação de causa e efeito entre as operações e a contaminação.
O MPF também apresentou o depoimento do médico João Paulo Botelho, consultor de saúde das comunidades Xikrin há mais de cinco décadas. Segundo Botelho, a deterioração da qualidade das águas do rio Cateté obrigou as comunidades a recorrerem à compra de água mineral e pescado em mercados de Marabá, comprometendo a segurança alimentar e a autonomia em relação aos recursos naturais tradicionalmente utilizados.
Diante da gravidade dos impactos, o MPF exige que a Vale custeie integralmente o tratamento médico dos indígenas afetados – incluindo consultas, exames, medicamentos, internações hospitalares e deslocamentos –, independentemente de eventuais planos de saúde oferecidos pela empresa. Além disso, o órgão solicita a implementação de um sistema de monitoramento contínuo da saúde dos Xikrin.
Em resposta, a Vale negou qualquer relação entre suas operações e a contaminação do rio Cateté, afirmando que o tema já foi amplamente analisado pela Vara Federal de Redenção, no Pará. A empresa destaca que estudos realizados por peritos judiciais independentes concluíram que suas atividades não são a fonte da poluição, e que a companhia monitora regularmente as condições da água no entorno dos seus empreendimentos. Ainda, a Vale aponta a existência de inúmeras atividades de garimpo ilegal na região.
A Funai informou que a questão já foi objeto de ação judicial e ressaltou um laudo pericial de novembro de 2018, que concluiu que a contaminação do rio Cateté decorreu do “lançamento in natura de efluentes” de cidades e lugarejos a montante dos empreendimentos Onça e Puma, associados ao uso de defensivos agrícolas e à supressão vegetal ripária. O laudo também destacou que, no caso da mineração de níquel, a exposição e o revolvimento do solo – somados ao trânsito de maquinário – favorecem a suspensão de partículas, especialmente em períodos chuvosos, embora tais impactos tenham sido parcialmente mitigados.
Por fim, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará informou, em nota, que firmou no ano passado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Vale para reduzir os impactos socioambientais da mina de níquel Onça Puma.
Fonte UOL
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