Açaí sob risco: pressão global ameaça fruto e impulsiona novas formas de cultivo na Amazônia - Estado do Pará Online

Açaí sob risco: pressão global ameaça fruto e impulsiona novas formas de cultivo na Amazônia

Pesquisadores defendem os sistemas agroflorestais como saída para garantir a soberania alimentar das comunidades e preservar o açaí diante da expansão da monocultura e da exportação.

Arquivo do pesquisador

O aumento do preço do açaí no Pará, que já sobe cerca de 6% ao ano mesmo com a produção crescendo, expõe uma contradição. A valorização que deveria beneficiar os produtores tem como pano de fundo a pressão do mercado internacional, que transforma o alimento essencial dos paraenses em produto de exportação.

“O comportamento dos preços chama a atenção, pois tem ocorrido mesmo diante do aumento médio de cerca de 5% ao ano na produção de açaí cultivado em áreas de terra firme, o que, somado à produção extrativista, deveria exercer pressão de baixa nos preços”, explica o professor Marcos Antônio Souza dos Santos, da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra).

Segundo o pesquisador, o açaí se consolidou nas últimas décadas como o principal produto da bioeconomia amazônica, presente nas cadeias globais da indústria alimentícia, cosmética e de suplementos. “O fruto, que antes atendia o consumo local e regional, passou a integrar cadeias produtivas globais (…). Essa expansão tem feito a demanda crescer em ritmo superior ao da oferta”, afirma.

Arquivo do pesquisador

Com a demanda crescente, comunidades ribeirinhas e pequenos produtores sentem o impacto direto: a escassez local. Para conter esse risco, especialistas defendem os Sistemas Agroflorestais (SAFs) como forma de garantir que o açaí continue sendo alimento e não apenas mercadoria.

“Nesses sistemas, o agricultor consegue congregar em uma mesma área, não somente o açaí, mas outras espécies que os nossos antepassados já produziam nos tradicionais sítios. Mesmo que o açaí seja o produto principal, ou o carro-chefe, o sistema mantém a diversificação”, explica o professor José Sebastião Romano, também da Ufra.

Ele aponta que o maior benefício dos SAFs é o retorno à autonomia alimentar. “Isso garante a soberania alimentar, que é o conceito de saber de onde vem o alimento e consumir produtos naturais gerados na própria comunidade (…). A implementação de SAFs oferece uma alternativa para que as comunidades garantam o seu próprio açaí e consumo local, combatendo a ameaça de ficar sem o produto devido à exportação e à monocultura”, afirma.

Vanessa Monteiro (Ascom Ufra)

Romano coordena o Núcleo de Agricultura Familiar e Agroecologia (NEA/UFRA), que atua com agricultores de municípios como Capitão Poço, Irituia e São Domingos do Capim. Ele diz que apenas em Irituia já há cerca de 500 produtores com quintais produtivos. “Quando você escuta o agricultor, ele vai falar muito mais do que você pergunta. E aí que está a diferença do nosso trabalho”, diz.

Os quintais agroflorestais mostram que diversidade é sinônimo de segurança. Em uma única área convivem açaí, cupuaçu, cacau, goiaba, biribá e espécies oleaginosas, criando um ciclo de produção contínuo. “Os SAFs proporcionam o controle biológico natural de insetos (…), passarinhos que comem lagartas e minhocas que melhoram o solo”, explica Romano.

Ele lembra o caso de um agricultor em Limoeiro do Ajuru, que produz açaí junto com andiroba, caju e taperebá. “Era uma área altamente diversificada, mas o açaí era o principal”, conta. Em São Domingos do Capim, produtores transformaram as áreas de várzea antes vistas como improdutivas em fonte de renda na entressafra — período em que o preço do fruto é mais alto.

Arquivo do pesquisador

Além da segurança alimentar, os SAFs têm impacto direto no enfrentamento à crise climática. “Os sistemas agroflorestais geram serviços ambientais, como o sequestro de carbono (…), controle da erosão e proteção do solo”, explica o professor. Ele ressalta que as árvores garantem umidade, favorecem o microclima e protegem as nascentes. “Eu defendo a produção com conservação”, resume.

Com informações da Universidade Federal Rural da Amazônia – UFRA

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