A morte de Gerson, após invadir a jaula de uma leoa em João Pessoa, reacendeu um debate necessário: o Brasil trata sofrimento psíquico com abandono, improviso e punição. O episódio expôs falhas profundas na rede de atendimento em saúde mental e levantou uma pergunta incômoda: quantas tragédias poderiam ser evitadas se o cuidado viesse antes do colapso?
A morte do jovem em João Pessoa expôs o abandono de quem enfrenta transtornos mentais no país. Mesmo com milhões afetados, o atendimento público é insuficiente e lento. O caso revela um sistema que pune antes de cuidar e ignora sinais que poderiam evitar tragédias. pic.twitter.com/NSQILpRXrG
— Portal Estado do Pará Online (@Estadopaonline) December 1, 2025
Um país adoecido
Dados da Organização Mundial da Saúde estimam que mais de um bilhão de pessoas no mundo convivam com algum transtorno mental. No Brasil, o cenário é expressivo: quase um terço da população relata sintomas de ansiedade, depressão ou outros quadros psíquicos. Estudos epidemiológicos mostram que a prevalência de depressão ao longo da vida no país alcança cerca de 15% da população. Em números absolutos, isso representa milhões de brasileiros vivendo com sofrimento mental significativo.
Mesmo diante dessa realidade, grande parte dessas pessoas nunca recebeu diagnóstico, acompanhamento psicológico ou atendimento psiquiátrico. O estigma, a falta de estrutura pública e a ausência de políticas consistentes transformam o sofrimento em silêncio.
O que existe e o que falta
A estrutura pública de cuidado está organizada na Rede de Atenção Psicossocial, formada por serviços como CAPS, unidades de acolhimento, ambulatórios especializados e leitos psiquiátricos em hospitais gerais. Nos últimos anos, houve aumento da demanda e da procura por atendimento. Ainda assim, a rede é insuficiente. Em muitas cidades, o acesso é limitado e há longas filas de espera, falta de especialistas e atendimentos esporádicos.
Especialistas apontam que políticas anteriores reduziram drasticamente o número de leitos psiquiátricos sem ampliar, na mesma proporção, a rede territorial de cuidado. Em regiões periféricas e no interior do país, o atendimento especializado é raro ou inexistente.
Quando o cuidado não chega
A trajetória de Gerson mostra o que acontece quando o sistema falha. Ele passou por instituições socioeducativas, por abordagens policiais e por episódios de vulnerabilidade profunda. Houve recomendações formais de acompanhamento psiquiátrico ao longo de sua vida, mas nada foi implementado de forma contínua. O histórico revela um padrão nacional: jovens em sofrimento mental são monitorados pela segurança pública antes de qualquer contato efetivo com a saúde.
Uma política de saúde mental que precisa mudar
Reverter esse cenário exige mais do que discursos. É preciso ampliar serviços, estruturar equipes multidisciplinares, criar atendimento de emergência em saúde mental, integrar assistência social, educação e segurança pública e tratar o sofrimento psíquico como questão de saúde e não de controle social.
Também é necessário enfrentar o estigma que transforma doença mental em fraqueza e afasta quem mais precisa de ajuda. Pessoas que sofrem não precisam de julgamento. Precisam de cuidado, tratamento e acolhimento.
O alerta que fica
A morte de Gerson não é um acidente isolado. É um aviso sobre o que acontece quando o Estado fecha os olhos para o sofrimento mental. Enquanto a saúde mental continuar a ser tratada como assunto secundário, outras vidas seguirão expostas ao abandono, à violência e à invisibilidade.
O Brasil precisa agir antes que mais histórias terminem como a dele: não como um caso, mas como uma consequência.











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