Em meio à crescente violência fundiária e ao avanço da grilagem na Amazônia, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) tem virado as costas para uma comunidade quilombola e rural organizada que luta por dignidade e preservação ambiental no oeste do Pará. A Associação de Produtores e Agricultores Familiares (Asproaf), que busca desde 2023 a regularização de um território de 40 mil hectares, denuncia negligência institucional, omissão processual e falta de transparência no trâmite de seu pedido de assentamento.
O território em questão, onde mais de 360 famílias de trabalhadores rurais pretendem viver e produzir de forma sustentável, segue sem resposta oficial do INCRA. A entidade afirma que cumpriu todas as exigências legais para viabilizar o assentamento, incluindo estudos, levantamentos e a apresentação de projetos voltados à preservação da floresta amazônica e à produção agrícola familiar. Mesmo assim, o processo permanece travado.
“O protocolo foi feito, mas desde então não conseguimos ter acesso ao número do processo nem ao andamento. Isso é grave, pois estamos lidando com vidas, com projetos reais de moradia, produção e proteção do território”, diz um dos representantes da Asproaf.
Nem mesmo uma assessoria jurídica contratada pela associação conseguiu avançar na busca por informações. A superintendência regional do INCRA em Santarém foi formalmente acionada, mas nunca disponibilizou o link de acesso ao sistema de acompanhamento processual, numa violação clara ao princípio da transparência pública e ao devido processo legal.
Enquanto isso, grileiros e madeireiros intensificam as ações criminosas no território pleiteado pela Asproaf. Segundo relatos da comunidade, barracos foram destruídos, pessoas ameaçadas e o clima é de intimidação permanente. No final do semestre passado, nove pessoas foram presas, suspeitas de envolvimento com esses atos de violência.
Grilagem com apoio institucional?
A morosidade do INCRA, no entanto, destoa da celeridade com que certos processos de regularização de terras são tratados no estado – principalmente aqueles que interessam a grileiros, empresários do setor madeireiro ou latifundiários com influência política. A própria história do órgão no Pará está manchada por denúncias de corrupção, favorecimento ilegal e manipulação de processos fundiários.
Nos últimos anos, investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal apontaram para esquemas de venda ilegal de terras públicas com participação de servidores do INCRA, que agiam em conluio com grileiros e madeireiras. Em 2019, a Operação Castanheira revelou um esquema de fraudes em registros de áreas públicas, com documentos falsos e sobreposição de títulos.
Em 2021, uma nova denúncia voltou à tona, quando servidores foram acusados de acelerar processos de regularização em áreas de interesse de fazendeiros, enquanto comunidades tradicionais eram deixadas no limbo burocrático. Em comum, todos os casos apresentam um padrão: opacidade nos procedimentos, favorecimento seletivo e exclusão sistemática de populações vulneráveis.
Comunidade exige respostas
A Asproaf cobra do INCRA explicações sobre a paralisia do processo e acesso imediato aos autos, como garante a Constituição. A associação alerta ainda para o risco de conflitos fundiários se intensificarem, caso o Estado siga ausente.
“Não podemos aceitar que quem destrói floresta tenha mais acesso ao poder público do que quem quer preservá-la. Isso é o Brasil que queremos mudar. Se o INCRA não cumprir seu papel, vai ser cúmplice da violência que nos ameaça todos os dias”, afirma um integrante da comunidade.
Até o fechamento desta matéria, a superintendência do INCRA em Santarém não respondeu aos pedidos de esclarecimento enviados pela reportagem.












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