Uma pesquisa realizada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em parceria com o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) revela um retrato preocupante sobre a desigualdade no acesso à internet no Brasil. O estudo aponta que a falta de franquia de dados móveis é um dos principais fatores que afastam milhões de brasileiros do mundo digital, impactando diretamente em direitos básicos, como educação, saúde e serviços bancários.
De acordo com o levantamento, 35% das pessoas com renda de até um salário mínimo e 35,6% das que recebem entre 1 e 3 salários mínimos ficaram sete dias ou mais sem acesso à internet móvel nos 30 dias anteriores à pesquisa. O cenário é ainda mais grave para os mais pobres: 11,6% ficaram mais de 15 dias desconectados, número quase seis vezes maior que entre quem recebe acima de três salários mínimos (2,2%).
Impactos no dia a dia
A falta de dados no celular e o não acesso ao Wi-Fi fez com que:
- 63,8% deixassem de usar serviços bancários ou financeiros;
- 56,5% não acessassem plataformas de serviços do governo;
- 55,2% não conseguissem estudar;
- 52,3% ficassem sem acesso a serviços de saúde.
Outro ponto observado foi a percepção sobre publicidade digital: mais de 50% dos entrevistados, em todas as faixas de renda, afirmaram que vídeos de propaganda aparecem “sempre” ou “muitas vezes”, contribuindo para o consumo excessivo de dados.
Celulares e computadores: barreiras econômicas
A pesquisa também apontou desigualdade na aquisição de aparelhos. Entre pessoas que recebem até um salário mínimo, 51% possuem celulares de até R$ 1 mil. Já nas rendas mais altas predominam os dispositivos mais caros.
Apesar dessa diferença, mais da metade dos entrevistados, em todas as faixas de renda, disse ter celular com menos de dois anos de uso, o que indica constante renovação.
No caso dos computadores, a exclusão é ainda maior: 47,3% afirmaram não ter computador de mesa ou portátil por causa do alto custo. Outros 30% apontaram falta de interesse ou desconhecimento sobre como usar o equipamento.
Essa lacuna contrasta com a preferência declarada: a maioria dos entrevistados afirma que, sempre que possível, prefere usar o computador para atividades essenciais, como serviços bancários, governamentais e compras on-line.
Satisfação e desafios
Os entrevistados avaliaram quatro aspectos do acesso digital:
- Aparelho celular: 8,3
- Habilidades digitais: 8,2
- Infraestrutura (internet fixa e móvel): 7,6
- Atendimento às necessidades de conexão: 7,8
Embora as notas sejam altas, a pesquisa mostra que a satisfação com habilidades digitais é menor entre pessoas mais vulneráveis, como idosos e quem recebe até um salário mínimo. O estudo também aponta possível superestimação da autopercepção, ou seja, muitos acreditam ter mais domínio digital do que realmente têm.
Vozes sobre a desigualdade digital
Para Luã Cruz, coordenador do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec, os dados “escancaram que a desigualdade também é perpetuada por desafios à conectividade, como apontam os números sobre custos e o impacto das limitações na franquia”.
O advogado Lucas Marcon, também do Idec, ressalta que “a maior parte dos brasileiros precisa acessar a internet pelo celular e mais de um terço ficou sem internet por falta de dados móveis no fim do mês. Precisamos de uma política mais ampla de acesso à banda larga e outras formas de conexão que não sejam limitadas”.
Já a conselheira diretora da Anatel, Cristiana Camarate, afirma que os resultados “apontam caminhos para aperfeiçoar iniciativas específicas de desenvolvimento da conectividade significativa, visando à inclusão digital de todos os cidadãos”.
Metodologia
A pesquisa foi realizada entre agosto de 2023 e junho de 2024, por telefone, utilizando o método CATI (Computer Assisted Telephone Interviewing). Foram entrevistadas 593 pessoas em todo o país, todas usuárias de serviços de telefonia celular (pré ou pós-paga) ou banda larga fixa, maiores de 18 anos.
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