Vivemos a era dos adultos que se recusam a amadurecer. Pessoas que vestem paletó, têm diploma na parede, acumulam seguidores nas redes — mas reagem como crianças birrentas quando são contrariadas. Basta uma crítica e pronto: fecham a cara, sobem o tom ou saem do grupo do WhatsApp da família. Se a verdade não for a delas, então o mundo está errado.
Essa infantilização do adulto moderno é mais comum do que parece — e vai muito além da chatice do dia a dia. Ela denuncia uma imaturidade emocional crônica, que já foi estudada e descrita por grandes nomes da psicologia. Carl Jung falava das “crianças que envelheceram”; Freud, da fragilidade do ego humano. Elisabeth Kübler-Ross nos lembrava que maturidade é aceitar o imperfeito — inclusive em si mesmo.
Mas o que vemos hoje são pessoas que vivem em bolhas emocionais. Não suportam ouvir que erraram. Confundem discordância com ataque pessoal. Agem como se a crítica fosse uma ofensa e o debate, uma ameaça existencial. É como se a própria identidade delas estivesse costurada à necessidade de estar sempre certas.
Esse comportamento, aliás, não é só chato — é perigoso. E tem nome.
O DSM-5, manual da Associação Psiquiátrica Americana, descreve o Transtorno de Personalidade Narcisista como aquele em que o sujeito tem uma necessidade exagerada de admiração, falta de empatia e convicção profunda de que é especial, único, e, claro, sempre certo. Quando contrariado, reage com fúria ou desprezo. Te lembra alguém?
Outros casos envolvem a chamada Síndrome de Peter Pan — termo não clínico, mas bastante usado por psicólogos para retratar adultos que se recusam a crescer emocionalmente. Fogem de responsabilidades, não admitem erros e preferem viver num mundo em que sempre são vítimas ou heróis — nunca os causadores dos próprios conflitos.
Por trás desse comportamento, há muitas vezes insegurança disfarçada de arrogância. É o medo de não ser suficiente. O medo de encarar o espelho e perceber que não são tão incríveis assim. Como já dizia o psicanalista Donald Winnicott, “é preciso muito amor para suportar a verdade sobre si mesmo”.

E quando não há esse amor, nem por si nem pelos outros, o sujeito se agarra ao orgulho como se fosse um colete salva-vidas. Mas o orgulho, ao contrário do que parece, afunda. Isola. Deteriora relacionamentos, sufoca ambientes de trabalho, destrói pontes e levanta muros.
Michel Foucault dizia que o poder está nas pequenas atitudes. E, nesse sentido, insistir em ter razão o tempo todo é uma forma de poder — um poder corrosivo, que impede o diálogo e a construção coletiva. É impossível evoluir convivendo com alguém que só sabe apontar o dedo e nunca olha para o próprio umbigo.
A verdade é que maturidade exige coragem. Exige humildade para reconhecer limites, erros e falhas. Aceitar críticas não é fraqueza, é força. Refletir sobre o que dizem de nós pode ser desconfortável, mas é libertador.
Quem não é capaz de escutar o outro está fadado a viver sozinho — mesmo cercado de gente.
Crescer não é apenas envelhecer. É aprender a ouvir, a se rever, a se colocar no lugar do outro e, sobretudo, a lidar com o desconforto de ser contrariado sem entrar em colapso. Pessoas imaturas podem até parecer fortes — mas sua força é uma muralha frágil, erguida para esconder inseguranças profundas.
Aceitar críticas e refletir sobre elas exige coragem. Exige uma humildade rara nos tempos de egos inflados e filtros emocionais. Mas é, paradoxalmente, esse gesto de vulnerabilidade que nos faz verdadeiramente fortes.
Os estragos da imaturidade emocional no trabalho e na vida
A imaturidade emocional não se contenta em ser um problema de personalidade. Ela vai além. Invade o ambiente profissional, sabota projetos coletivos e afunda carreiras promissoras. E o pior: faz isso de maneira silenciosa, quase invisível, até que o estrago se torne irreversível.
No trabalho em grupo: quando um birrento atrasa todo o bonde
Equipes bem-sucedidas são aquelas em que os integrantes sabem ouvir, negociar e, principalmente, lidar com frustrações. E é justamente aí que a imaturidade emocional se revela como um vírus organizacional.
O colaborador imaturo:
- Não aceita feedback, mesmo quando construtivo.
- Personaliza discordâncias, como se toda ideia contrária fosse um ataque pessoal.
- Cria rixas desnecessárias e provoca climas tóxicos.
- Foge de responsabilidades, mas corre para os aplausos quando algo dá certo.
O resultado? Times travados, reuniões tensas e decisões que não avançam porque sempre tem alguém “melindrado”. E não é exagero: o relatório “State of the Global Workplace” da Gallup aponta que a falta de inteligência emocional é uma das principais causas de baixa produtividade e de desligamentos voluntários ou forçados.
Quando um adulto não sabe trabalhar em grupo, ele transforma a equipe numa sala de aula da 5ª série, onde vale mais o ego do que o objetivo.
Autossabotagem: o inimigo mora no espelho
Se no coletivo a imaturidade destrói conexões, no individual ela devora sonhos. Pessoas emocionalmente imaturas muitas vezes praticam a autossabotagem como modo de vida. E o mais perigoso? Elas nem percebem.
Elas vivem repetindo ciclos de fracasso: começam algo com entusiasmo, mas desistem ao primeiro obstáculo. Se são criticadas, se retraem ou revidam com agressividade. Se algo dá errado, culpam o chefe, a família, o trânsito, o universo — menos a si mesmas.
Esse comportamento está diretamente ligado à falta de autorresponsabilidade, um dos pilares da maturidade. Como explica o psicólogo Nathaniel Branden, “a autoestima saudável nasce da capacidade de assumir a própria vida”. Já a imaturidade se alimenta da ideia de que o mundo deve algo — uma promoção, uma chance, um aplauso — sem que o sujeito precise se mover para merecer.
E tem mais: essa sabotagem pessoal se manifesta em procrastinação crônica, medo irracional de falhar, dificuldade em tomar decisões e até em relacionamentos instáveis, onde o imaturo vive entre extremos — ou se acha inferior e se retrai, ou se coloca como superior e afasta todo mundo.
Do fundo do poço à beirada da mesa de reunião
Quando o ego imaturo senta à mesa de um projeto coletivo ou entra na sala de avaliação de desempenho, não é apenas um problema comportamental. É um bloqueio estrutural. Nenhuma empresa, família ou grupo de amigos prospera com adultos que se recusam a crescer internamente.
Mas tem saída — e começa com o mais difícil: olhar para dentro.
A maturidade emocional não vem com a idade, nem com o cargo, nem com o crachá. Ela nasce da disposição de escutar sem se ofender, de reconhecer os próprios limites sem se envergonhar, e de entender que, muitas vezes, o que te impede de voar não é o mundo lá fora — é o medo infantil de cair.
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