O início da perfuração de petróleo na Foz do Amazonas abriu uma nova frente de disputa entre a Petrobras e grupos da sociedade civil. Oito organizações ambientais, indígenas e quilombolas acionaram a Justiça Federal do Pará para tentar suspender a licença concedida pelo Ibama ao bloco FZA-M-59, alegando que o processo desrespeitou normas internacionais e representa ameaça grave ao ecossistema amazônico.
A ação foi protocolada na 9ª Vara Federal de Belém e pede a anulação imediata da licença, emitida no dia 20 de outubro. Segundo as ONGs, a estatal iniciou os trabalhos de perfuração assim que recebeu o aval do órgão ambiental, sem considerar riscos de danos irreversíveis à biodiversidade da região.
Entre os autores do processo estão a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Coiab, a Conaq, o Greenpeace Brasil, o Observatório do Clima, o Instituto Arayara e o WWF-Brasil. O grupo sustenta que o licenciamento “atropelou povos indígenas e comunidades tradicionais”, ao não realizar estudos específicos nem consultas prévias, livres e informadas, como determina a Convenção 169 da OIT.
“Este projeto é predatório e ignora a voz dos povos indígenas, verdadeiros guardiões da floresta”, afirmou Kleber Karipuna, da Apib. Para ele, a autorização contraria o discurso do governo sobre transição energética e ameaça o equilíbrio ambiental às vésperas da COP30.
A coordenadora da Conaq, Núbia Cristina, reforçou que a mobilização já dura três anos. “Estamos buscando parceiros na defesa da Amazônia e dos territórios quilombolas. Não podemos permitir mais atrocidades e violência”, declarou.
Além das questões sociais, as ONGs apontam falhas técnicas nos estudos da Petrobras. Segundo o processo, a modelagem usada para prever o comportamento do óleo em caso de vazamento ignora correntes subsuperficiais e subestima o uso de dispersantes. Em um cenário de acidente grave, até 20% do petróleo derramado poderia atingir o Grande Sistema Recifal Amazônico, um dos ecossistemas mais ricos do planeta.
Nicole Oliveira, do Instituto Arayara, afirma que a decisão do governo “fecha os olhos para a ciência e para a lei”. “A Petrobras se autoproclama líder da transição energética, mas é responsável por 29% de toda a expansão fóssil da América Latina”, criticou.
O Observatório do Clima também condenou o licenciamento, que classificou como um retrocesso às vésperas da conferência mundial sobre o clima. “O Brasil joga no fundo do oceano sua tentativa de liderar pelo exemplo”, disse Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas da entidade.
O Ibama, por outro lado, defende que a licença foi concedida após “rigoroso processo de licenciamento ambiental”, com audiências públicas e 65 reuniões técnicas em mais de 20 municípios do Pará e do Amapá. O órgão afirma que o projeto foi aprimorado em relação à primeira negativa, em 2023, e agora inclui novos centros de reabilitação de fauna e embarcações de resposta a emergências.
A Petrobras, em nota, declarou que cumpriu todas as exigências do Ibama. “Como última etapa de avaliação, a companhia realizou, em agosto, um simulado in loco, denominado Avaliação Pré-Operacional (APO), por meio do qual o Ibama comprovou a capacidade da Petrobras e a eficácia do plano de resposta à emergência”. A empresa sustenta que o empreendimento é essencial para garantir segurança energética e recursos destinados à transição energética justa.
A Advocacia-Geral da União (AGU) informou que dará prioridade ao caso e garantiu que todos os aspectos ambientais, sociais e econômicos serão considerados.
Enquanto a perfuração do poço Morpho segue em andamento, as ONGs alertam que o FZA-M-59 é apenas o primeiro passo. Outros oito blocos estão em licenciamento e 19 foram arrematados em leilões recentes, o que pode transformar a Foz do Amazonas em um novo polo petrolífero, no centro de uma disputa que coloca em lados opostos o desenvolvimento energético e a preservação ambiental.
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