Tradição ribeirinha ganha o Brasil: abridores de letras promovem circuito nacional inédito - Estado do Pará Online

Tradição ribeirinha ganha o Brasil: abridores de letras promovem circuito nacional inédito

Guardões de um saber centenário, o ofício dos pintores de barcos da Amazônia será apresentado em oficinas gratuitas em oito capitais

Créditos: Nailana Thiely

Um dos ofícios mais emblemáticos da cultura amazônica ganha destaque nacional neste mês de outubro. O projeto “Letras que Navegam – Oficinas de Letras Amazônicas pelo Brasil”, vai percorrer oito capitais do país (Belém, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Recife e Fortaleza) levando a arte e o saber dos abridores de letras, os mestres responsáveis por pintar nomes e ornamentos nas embarcações ribeirinhas.

A iniciativa marca um momento histórico: é a primeira vez em cem anos que os próprios abridores viajam o Brasil para compartilhar seu conhecimento ancestral, conduzindo oficinas, bate-papos e demonstrações ao vivo. As atividades são gratuitas e acontecem durante todo o mês de outubro, mês em que o ofício completa um século de existência.

Créditos: Nailana Thiely

Criada em 1925, a tradição nasceu de uma exigência da Capitania dos Portos para que os barcos fossem identificados com nomes pintados. Com o passar dos anos, o que começou como uma obrigação virou expressão artística: cada abridor desenvolveu seu estilo próprio, com cores vibrantes, letras curvas e símbolos que refletem a identidade ribeirinha e a história de quem navega pelos rios da Amazônia.

Segundo Fernanda Martins, presidenta do Instituto Letras que Flutuam (ILQF), o projeto representa um marco para o reconhecimento desse patrimônio cultural:

“É uma oportunidade única de mostrar a Amazônia e permitir que o Brasil conheça de perto esses artistas populares. Esse encontro prepara os mestres para itinerar, fortalece os laços entre eles e consolida um coletivo que carrega um patrimônio imaterial centenário”, destaca.

Antes do início da circulação nacional, os abridores participaram do III Encontro de Abridores de Letras do Pará, realizado em Belém, que reuniu mais de 20 mestres ribeirinhos. Durante o evento, eles passaram por uma formação com a pesquisadora Marcela Castro, que ajudou a construir metodologias de ensino sem interferir nas técnicas originais de cada artista. A preparação permitiu que os mestres se reconhecessem também como educadores e multiplicadores culturais.

As oficinas do projeto “Letras que Navegam” serão divididas em dois momentos: pela manhã, voltadas a estudantes da rede pública; e, no turno seguinte, abertas ao público com bate-papos e demonstrações ao vivo, nas quais os abridores mostrarão seu trabalho de pintura e compartilharão suas histórias.

“Cada abridor tem um modo único de ensinar, e isso é riqueza. O trabalho foi pensar juntos em formas de levar esse conhecimento a mais pessoas, sem perder sua raiz ribeirinha”, explica Marcela.

A etapa final do circuito será realizada em Belém, no dia 24 de outubro, com os mestres Francivaldo da Silva Oliveira e Simão Costa Sarraf, na futura unidade da CAIXA Cultural Belém, que será inaugurada ainda neste mês, no complexo Porto Futuro II, ao lado da Estação das Docas.

Com o projeto, o ofício de abrir letras, reconhecido como um símbolo da identidade amazônica, ganha novo fôlego e visibilidade nacional, reafirmando a importância dos mestres ribeirinhos como guardiões vivos da memória e da arte popular da Amazônia.

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