A presença diária da professora Lise Tupiassu na Blue Zone, acompanhando de perto as negociações, permitiu uma leitura menos protocolar e mais concreta sobre o saldo da COP30, realizada em Belém. Para a pós-doutora em financiamento climático e pró-reitora de Relações Internacionais da UFPA, o encontro deixou sinais contraditórios: reafirmou a cooperação entre os 195 países, mas evitou tocar em temas considerados decisivos para limitar o aquecimento global.
Um dos elementos que ela destaca é a revalorização do multilateralismo, num cenário marcado por disputas geopolíticas e pressões internas de várias nações. “Tivemos 195 países participando e 29 textos aprovados por consenso. Isso mostra que, apesar das divergências, há um esforço coletivo para manter a cooperação climática”, afirma. O chamado Pacote de Belém consolidou acordos sem reabrir compromissos assumidos em COPs anteriores, mas essa estabilidade veio acompanhada de concessões, já que delegações desistiram de avanços mais ousados para garantir texto final.
Entre os resultados celebrados, Tupiassu destaca o Fundo de Florestas Tropicais para Sempre (TFF), proposta brasileira que cria um mecanismo permanente para remunerar países que preservam florestas. Somam-se a isso a decisão de triplicar o financiamento para adaptação até 2035 e a meta de mobilizar US$ 1,3 trilhão por ano em recursos climáticos.
A professora lembra, porém, que o impacto real dessas medidas dependerá da forma como o dinheiro será captado e distribuído. “A ambição financeira aumentou, mas a efetividade ainda depende de compromissos concretos, especialmente dos países historicamente mais emissores”, pondera.
Outro eixo que avançou foi o social. A COP aprovou o Mecanismo de Transição Justa, ampliando a cooperação internacional e reconhecendo que metas de descarbonização precisam caminhar com justiça social.
Pela primeira vez, documentos oficiais mencionam explicitamente povos indígenas, afrodescendentes, mulheres e lideranças tradicionais, tanto como guardiões da floresta quanto como agentes de inovação. O encontro também lançou um Plano de Ação de Gênero com metas para os próximos dez anos, incluindo financiamento sensível ao gênero e fortalecimento da liderança feminina em processos climáticos.
Mas o conjunto de avanços não elimina as lacunas. As negociações que tratariam do afastamento dos combustíveis fósseis e de um plano global contra o desmatamento não prosperaram, deixando um vazio estratégico no texto final, crítica que ecoou entre governos e organizações ambientais.
A retirada desses temas, avalia Tupiassu, compromete a clareza sobre o caminho global para reduzir emissões e proteger florestas. O tema, porém, deve retornar à mesa em 2026, já que o Brasil seguirá na presidência do ciclo climático. Mesmo assim, a professora reconhece que o desfecho “deixou uma sensação de oportunidade perdida”.
A cientista também chama atenção para o impacto da COP na pesquisa amazônica. Áreas como monitoramento por satélite e IA, bioeconomia, biodiversidade, saúde pública e governança territorial devem ser ainda mais demandadas. O desafio, segundo ela, é estrutural. “Para que essas áreas respondam às demandas globais, é preciso investimentos continuados e reconhecimento da ciência produzida na região”, alerta.
Para Tupiassu, a UFPA tem papel essencial na fiscalização e na implementação dos compromissos climáticos. “A universidade tem legitimidade para avaliar se o que foi prometido está sendo cumprido. E também para tensionar o debate quando metas importantes não avançam”, destaca.
Ela resume o momento com uma visão pragmática: a COP não encerrou nada — apenas abriu uma fase que exigirá trabalho contínuo de governos, instituições e sociedade para transformar compromissos em realidade.













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