Educar na Amazônia: histórias e vozes que inspiram neste Dia dos Professores - Estado do Pará Online

Educar na Amazônia: histórias e vozes que inspiram neste Dia dos Professores

Professores paraenses refletem sobre os desafios e a importância da docência na Amazônia, destacando a valorização dos saberes tradicionais, a educação ambiental e a resistência cotidiana em sala de aula.

No Dia dos Professores, celebrado em 15 de outubro, dois educadores paraenses compartilham suas trajetórias e reflexões sobre o papel da docência na formação de uma sociedade mais consciente, plural e conectada à realidade amazônica. Entre a sala de aula, a pesquisa e o compromisso social, eles reforçam que ensinar é também um ato de resistência, afeto e transformação.

O poder transformador da educação do campo e dos saberes quilombolas

Com mais de 25 anos dedicados à educação pública, Joana Machado é professora de Língua Portuguesa da Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC-PA) e coordenadora da Educação do Campo, das Águas e das Florestas desde 2020. Doutora em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Joana atua na formação de professores e na valorização dos saberes quilombolas, amazônicos e afro-brasileiros.

Sua trajetória é marcada pela vivência com comunidades quilombolas, especialmente no território do Rio Jambuaçu, em Moju. “A própria experiência de aprender com as mulheres quilombolas foi o maior aprendizado da minha vida. Entendi que ser professora é, antes de ensinar, aprender com os sujeitos, com o território e com as sabedorias locais”, afirma. Para ela, o sentido de Ubuntu, “eu sou porque nós somos”, representa o caráter coletivo e transformador da docência.

Entre os avanços que marcaram sua trajetória, Joana destaca a consolidação da Educação do Campo como modalidade reconhecida na educação básica brasileira. “Romper com a antiga ideia de que estudar era ‘para sair da roça’ foi uma conquista. A Educação do Campo valoriza o trabalho e a identidade dos povos camponeses, ribeirinhos e das florestas, reafirmando sua importância para a soberania e a sustentabilidade”, explica.

Mesmo com progressos, ela reconhece que ainda há muitos desafios. “Desde a formação inicial de professores até a construção de escolas nos territórios, há muito a ser feito. A boa notícia é que temos avançado com as licenciaturas específicas e matrizes curriculares adaptadas à realidade do campo, o que tem fortalecido o ensino e a valorização dos sujeitos amazônicos”, ressalta.

Questionada sobre o papel da educação na construção de uma escola pública antirracista, Joana é enfática: “Ainda estamos longe disso. O combate ao racismo precisa ser uma tarefa de todos, pretos, brancos, escolas públicas e privadas. O racismo é crime, e enfrentá-lo exige ação e compromisso”, defende.

Ela também chama atenção para o racismo ambiental e religioso que afetam as comunidades tradicionais. “O racismo ambiental segue se manifestando, e o religioso é o ápice da ignorância. Como diz o Gabriel Pensador, ‘o racismo é burrice’. Precisamos educar para que essas práticas deixem de existir”, afirma.

Ao celebrar o Dia dos Professores, Joana reforça que ensinar na Amazônia é um ato de resistência e esperança. “Ser professora aqui é lutar todos os dias pela valorização dos saberes ancestrais, pela preservação da floresta e pela dignidade dos povos que a habitam. Educar é plantar consciência, mesmo quando o terreno parece árido”, conclui.

A História como caminho para compreender a Amazônia e o meio ambiente

Docente da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará (UFPA), Campus Ananindeua, Wesley Kettle dedica sua carreira a unir os campos da História e da Educação Ambiental. Professor também nos programas de Mestrado Profissional em Ensino de História e em Ciências Ambientais da UFPA, ele leciona disciplinas voltadas à História da Amazônia e ao Ensino de História, promovendo frequentemente aulas de campo pela região metropolitana de Belém.

Para ele, compreender a Amazônia é compreender a si mesmo enquanto cidadão. “A relação entre História e meio ambiente nos permite ampliar nossa compreensão sobre os problemas ambientais atuais, que têm origem no passado, tanto em questões materiais quanto na forma de pensar a natureza”, explica. “Assim, formamos cidadãos que percebem a historicidade dos problemas ambientais”, completa.

Nas aulas de campo, o contato direto com o território desperta nos estudantes uma nova percepção sobre o espaço em que vivem. “Questões envolvendo os povos indígenas são as que mais impactam os alunos, especialmente quando discutimos as dinâmicas sociais anteriores à invasão europeia. Outro ponto que chama atenção é o racismo ambiental, que aflige as comunidades nas quais muitos estudantes vivem”, afirma o professor.

Além das salas de aula e das atividades de campo, Kettle também lidera o Grupo de Pesquisa História e Natureza (GRHIN-UFPA) e coordena o projeto Historix, que busca popularizar o debate sobre educação ambiental e história nas redes sociais. A iniciativa nasceu da vontade de romper as barreiras da linguagem acadêmica e dialogar com o público em geral. “Queremos falar para além da bolha universitária. Produzimos conteúdos que o público não acadêmico possa compreender e se interessar, ocupando espaços que hoje muitas vezes estão tomados pela desinformação”, ressalta.

Ao refletir sobre o papel dos professores no contexto amazônico, Kettle aponta que ainda há desafios estruturais. “Os professores só podem valorizar a Amazônia se tiverem acesso a formações que lhes permitam conhecê-la em toda a sua complexidade. Muitas vezes, o conteúdo escolar e os materiais disponíveis não dão espaço para esse tipo de abordagem”, observa.

Para ele, valorizar os saberes tradicionais também é uma questão de respeito e reconhecimento. “É preciso tratar os saberes indígenas, quilombolas e ribeirinhos como tecnologias, como ciências da floresta, e não como algo inferior aos saberes ocidentais”, destaca.

Neste Dia dos Professores, Kettle deixa uma mensagem de reflexão e resistência: “Esse é, antes de tudo, um dia de luta. Precisamos continuar cobrando valorização e respeito, porque o nosso trabalho vai muito além de ministrar conteúdos em sala de aula. E não podemos esquecer a importância de incluir a dimensão ambiental em todos os conteúdos”, afirma.

Ele também convida o público a acompanhar o trabalho do grupo e do projeto Historix nas redes sociais: @grhin.ufpa e @historix_ufpa.

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