A poucos meses da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, Belém ainda tenta responder a uma pergunta incômoda: como uma cidade capaz de acolher 90 mil visitantes no Círio de Nazaré pode enfrentar obstáculos para acomodar 50 mil pessoas na COP30?
A resposta, segundo pesquisadores, está no perfil distinto do público. Enquanto a maior parte dos fiéis do Círio conta com hospedagem em casas de familiares e amigos, a conferência climática atrai delegações oficiais, chefes de Estado, diplomatas, cientistas e ativistas que buscam estrutura formal. A diferença entre “rede e sofá-cama” e “quartos individuais” pesa diretamente na equação.
O Observatório das Metrópoles – Núcleo Belém destaca que no Círio cerca de um terço dos turistas fica em residências particulares. Já na COP, a expectativa é de demandas muito mais rígidas de acomodação. “Forte vinculação familiar”, avalia o pesquisador Juliano Ximenes.
Até agora, 140 países confirmaram presença no encontro de novembro e outros 48 estão em negociação, segundo o governo federal. A meta é reunir quase 200 nações e 50 mil participantes entre diplomatas, empresários e representantes da sociedade civil. Japão, Noruega, Egito e Espanha já estão entre os que bateram o martelo.
Levantamento da organização da COP indica a oferta de 53 mil leitos em Belém e região metropolitana, incluindo 14 mil na rede hoteleira, mais de 22 mil em plataformas digitais e 6 mil em navios que serão ancorados em Outeiro. Para o setor, ainda há disponibilidade, mas os preços variam e podem subir na reta final.
O desafio, contudo, não se limita ao número de camas. As delegações não querem apenas leitos, querem quartos, explica um integrante do setor de hospedagem. A exigência, que surgiu tardiamente nos planejamentos locais, levou hotéis e investidores a ajustar a oferta, mantendo diárias dentro do teto de 200 dólares sugerido pela ONU.
Na outra ponta, organizações populares têm se mobilizado para garantir presença. Igrejas criaram uma plataforma que já oferece mais de 800 vagas gratuitas em 25 bairros da região metropolitana. É essa rede solidária que permitirá, por exemplo, a participação de João Paulo Souza, comunicador popular do Tapajós de Fato.
Casas também têm se transformado em espaços de acolhimento. A estudante Denily Fonseca, por exemplo, abrirá sua porta para receber Giovani Sella, repórter paranaense que virá cobrir a COP. Para ela, é mais que hospitalidade: é a demonstração de que a Amazônia também pode ensinar solidariedade em meio às negociações climáticas.
O contraste é claro: enquanto delegações internacionais reforçam demandas sofisticadas, movimentos sociais resgatam práticas antigas de acolhimento comunitário. Entre a pressão da diplomacia e a tradição da fé, Belém se prepara para ser palco de uma das maiores conferências ambientais do planeta.
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