Da Seringa ao Açaí: Lições da História para a Bioeconomia da Amazônia - Estado do Pará Online

Da Seringa ao Açaí: Lições da História para a Bioeconomia da Amazônia

João Capiberibe*

O destino da Amazônia já esteve, um dia, amarrado à exuberância de uma árvore: a seringueira. No final do século XIX, a borracha transformou Manaus e Belém em centros de luxo, progresso e ostentação. Mas, poucos anos depois, essa economia ruiu. As sementes da seringueira foram levadas ilegalmente para a Ásia, onde o cultivo racional, aliado à ciência e ao planejamento, esmagou o modelo extrativista da Amazônia, mergulhando a região em um século de estagnação econômica e social.

Hoje, a história parece querer se repetir – desta vez, com outro tesouro da biodiversidade: o açaí. O fruto, que alimentou povos amazônicos por séculos, conquistou o Brasil e, depois, o mundo, transformando-se em símbolo global de saúde, energia e sustentabilidade. Mas até quando?

O que aprendemos – ou não – com a economia da borracha?

Analisando a Linha do Tempo: Borracha vs. Açaí

A borracha surgiu como protagonista da Revolução Industrial, mas sua exploração se baseou na coleta extrativista, sem cultivo, sem manejo e sem controle tecnológico. Foi vítima da negligência com o conhecimento científico, da ausência de políticas públicas e da biopirataria, que transferiu sua riqueza para plantações industriais na Malásia, destruindo o protagonismo da Amazônia.

O açaí trilha um caminho semelhante no início, sustentado pelo extrativismo, mas começa a se abrir para modelos mais sustentáveis, com plantios planejados, agroflorestas e algumas iniciativas de industrialização – embora ainda de forma tímida e insuficiente frente à demanda global.

O Risco Atual

Se não houver proteção jurídica robusta, investimentos em ciência e tecnologia, e o fortalecimento da cadeia produtiva local, o risco é evidente e urgente:
– O açaí pode ser levado geneticamente para outras regiões tropicais, assim como aconteceu com a seringueira.
– A Amazônia corre o risco de ser, mais uma vez, apenas fornecedora da parte mais barata da cadeia: matéria-prima.
– Quem ganha? As indústrias de fora. Quem perde? A floresta, quem vive dela e o próprio futuro da bioeconomia amazônica.

O Que Precisa Ser Feito Agora:

  1. Proteger a biodiversidade amazônica, legal e geneticamente, contra a biopirataria e a exploração predatória.
  2. Investir massivamente em pesquisa, manejo sustentável, biotecnologia, rastreabilidade e inovação.
  3. Transformar o açaí em um produto de alto valor agregado dentro da Amazônia, com indústrias locais, empregos qualificados e desenvolvimento regional.
  4. Garantir que as comunidades tradicionais – indígenas, ribeirinhas, quilombolas e extrativistas – sejam as verdadeiras protagonistas e beneficiárias da cadeia produtiva.
  5. Construir e consolidar um mercado global pautado na rastreabilidade, na sustentabilidade, no comércio justo e na valorização da floresta em pé.

Conclusão:

Se a borracha foi o símbolo de um fracasso estrutural do modelo colonial – baseado na exploração da floresta sem conhecimento, sem ciência e sem soberania –, o açaí pode e deve ser o símbolo da vitória da bioeconomia da floresta em pé, da Amazônia viva e da justiça socioambiental.

O erro já foi cometido uma vez. Repeti-lo seria não apenas imperdoável – seria criminoso.

* Ex preso político, ex prefeito, ex governador, ex senador, autor da Lei Complementar 131/2009, a Lei da Transparência. Atualmente empresário da bioeconomia.

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