Carta do Bispo do Marajó acusa Helder e deputados paraenses por abortarem CPI na ALEPA

Em um texto contundente com citações bíblicas e críticas aos políticos paraenses, Dom Azcona acusa o governador Helder Barbalho e os deputados estaduais pela morte da CPI que pretendia investigar as graves denúncias de atos criminosos que há décadas ocorrem no Marajó. O bispo emérito também aponta a omissão das deputadas e do Ministério Público pelo estupro e assassinatos de meninas no arquipélago.

Helder prometeu defender o povo paraense e a constituição do estado, durante seu discurso de posse ao ser reeleito como governador do Pará. Foto: Rodrigo Pinheiro/Ag. Pará

A Assembleia Legislativa do Pará prevaricou! Cometendo um crime abominável se transformou numa prostituta! (Is, 1, 21) Os profetas na Sagrada Escritura denominam o pecado de idolatria com o nome de prostituição. Isso precisamente é o que fez a Alepa!

Esta, composta por 41 Deputados, 32 dos quais pertencem ao grupo governista negaram a investigação sobre as denúncias sérias de tráfico humano, estupros de menor, pedofilia e outros crimes abomináveis cometidos no Marajó. A maior parte da Alepa, por tanto, segundo a Sagrada Escritura se prostituiu adorando ao bezerro de ouro!

A Comissão Parlamentar de Inquérito não prosperou e não deve ser instalada na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa).

Andreia Xarão (MDB), Luth Rebelo (PP) e Carlos Bordalo (PT) todos marajoaras, renegaram sua identidade e se posicionaram diretamente a favor dos inimigos da mulher, da mulher marajoara, especialmente da mais vulnerada, desprezada e abandonada, a mulher menina, a mulher criança, adolescente, muitas delas escorraçada muitas vezes durante 24 horas, dia e noite!

Andreia Xarão (MDB), Luth Rebelo (PP) e Carlos Bordalo (PT) são deputados estaduais nascidos em municípios do Marajó e nenhum assinou a CPI que visa investigar os crimes hediondos que ocorrem por lá.

Seu silêncio covarde gritou berrando contra a inocência! Junto com todos os adoradores do bezerro eles o adoraram, não consideraram digna de atenção a multidão de meninas estupradas, ameaçadas a cada segundo, abandonadas em todo momento à sua própria sorte!

Céus, espantai-vos!

Aqueles que a lei constituiu como defensores da mesma, da dignidade e dos direitos fundamentais da pessoa humana, eles mesmos com voto criminoso decidiram solenemente jogar nossas meninas às feras da angústia, da solidão, do espanto e do terror! Ninguém saiu por elas! Salvo o nobre grupo dos que votaram sim à CPI libertadora!

São Mateus no seu evangelho narra que “Herodes irritado mandou matar a todos os meninos de dois anos para baixo …Então cumpriu-se o que fora dito pelo profeta Jeremias: “Ouviu-se uma voz em todo Marajó, choro e grande lamentação: “Os Marajós choram os seus filhos e filhas e não tem mais consolação porque eles (elas) não mais existem”! Este é o crime do grupo de Herodes!

“A Assembleia Legislativa do Pará não faz mais justiça ao órfão nem lhe interessa a causa da viúva; o destino horrendo das meninas marajoaras não os atinge! O seu coração obstinado se desumanizou! O pequeno, o pobre, a menina em angústia não existem mais!” (Is 1).

A Alepa está doente. E com ela o Governo do Estado! Ela retrata a reprodução universal da mente perversa sobre o abuso e a exploração sexual de menores! A mesma em todo lugar e não exclusiva do Marajó: “Uma menina de 12 anos pode ser sacrificada sem escrúpulo nem vergonha nenhuma antes do que a própria imagem, ou o dinheiro dos Deputados ou o do Governador fiquem lesados”!

Por que este crime abominável? Temos direito a pensar que uma CPI diante das eleições deste ano por uma parte e da Cop30 por outro no próximo, podia ter sido uma forte oposição à avidez violenta na procura do lucro e à sede ardente de poder dos Deputados e do Governador!

Estes comportamentos os podemos caracterizar bem com a palavra: “A qualquer preço!”.

E com esta outra: “Lucro, poder, quanto antes, sem tardar, por favor!”

Nos encontramos, pois, diante da absolutização do poder e da adoração sacrílega do dinheiro tanto no comportamento dos Deputados como no do Senhor Governador!

Pelo que aparece nitidamente aos nossos olhares, as duas idolatrias, em palavras da Bíblia, “prostituição”, se apresentam aqui inseparavelmente unidas: Cop30 com seus bilhões a ser repartidos e o poder político e opressor por outra!

Que diria a humanidade com ocasião da Cop30 diante da revelação específica das misérias estruturais, bem cristalizadas em Instituições do Estado e nos Municípios especialmente do Marajó através de uma varredura da CPI tão abrangente como deveria ser a do abuso e exploração sexual de menores, adolescentes e vulneráveis no Arquipélago?

Como tirar o véu que encobre o Marajó ás portas de Belém e em Cop30, como monumento vivo da escravidão secular, do assistencialismo colonialista e opressor de um Marajó “de menor” a quem se pode domesticar?

ESCÂNDALO

O gesto da Alepa e do Senhor Governador reveste as características de um verdadeiro escândalo ao realizar diretamente o desmantelamento dos fundamentos éticos da sociedade! E de modo ainda mais grave, aqui se revela a perversidade do pecado de escândalo cometido contra o próprio Deus na pessoa dos menores, adolescentes e vulneráveis!

A consciência ética do Pará se insurge decidida contra esse escândalo gravíssimo, público, perverso e qualificado. Ai daquele que utiliza o poder para induzir ao mal e ao pecado na destruição da dignidade humana e fazendo-se responsável por todos os males e sequelas infernais que direta e indiretamente este escândalo favorece e perpetua!

O povo cristão, maioria no Estado do Pará, mas também os membros das diversas religiões e os irmãos ateus sem dúvida dotados de consciência onde ecoa a voz de Deus, rejeita visceralmente e com todas as forças este escândalo! A convicção unânime de todo o Pará se resume naquela palavra dolorida do Senhor: “Se alguém escandalizar um destes pequeninos, melhor será que lhe pendurem do pescoço uma pesada mó e seja precipitado assim nas profundezas do mar!” (Mt 18,6). (CIC 2284-2287). Kyrie eleison!

SOBRE O FALSO CULTO A DEUS

Assim diz o Senhor: “Eu não posso suportar mais a iniquidade e a solenidade! Vossas festas minha alma as detesta. Quando estendeis as vossas mãos nas vossas grandes assembleias de oração desvio os meus olhares de todos vós! Podeis multiplicar as orações”.

Não vos ouvirei! Afastai de Mim vossas fotografias com o Santo Padre, não façais espetáculo com a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, a Mãe do meu Filho Jesus. Não vos declareis devotos de Nossa Senhora nem adoradores do Senhor Jesus! Vossas ajudas econômicas aos meu santuários procedem de vossas mãos que estão manchadas com sangue! Lavai-vos, purificai-vos… defendei a causa do órfão e da viúva! Enfrentai o opressor!

Marcos Santos/Agência Pará.

Senhor Governador e Deputados Católicos e Evangélicos! As coisas são assim e não de
outra maneira! Afastai-vos do mal, aprendei a fazer o bem!” (Is 1, 3-16).

PREFEITOS

Onde estão os prefeitos marajoaras? Onde se escondem? Por quê? Por que não teve um sequer a levantar a voz contra tamanho delito? E tratando-se sobretudo dos municípios dos quais um dia vocês vão dar estreita conta a Deus. Cientes de quem colabora direta ou indiretamente com o autor de tamanho escândalo público carrega com a mesma culpa e pena e a mesma obrigação ética de reparar exaustivamente o que este escândalo maciço e suas consequências deslancharam em todo Marajó!

Ou será talvez porque ainda não se libertaram do medo a si mesmos nem trataram sequer de questionar-se sobre a necessidade de mudança de atitudes para “servir e não para ser servidos?”.

Onde está a consciência da Amam? É dizer, a consciência de cada um dos prefeitos do Marajó no respeito a si mesmos e a um povo de pobres, de abandonados, de crianças e meninas ameaçadas a toda hora?

Um Governador do Estado com gestores municipais que não sabem defender seus filhos perderam todo direito a sobreviver! Uma sociedade como a do Marajó que clama por regenerar-se e que eles lideram ineptos e apáticos tem os dias contados! Se os seus gestores não entram no campo aberto do enfrentamento ao abuso e exploração dos seus filhos exigindo essa CPI, essa sociedade não sobreviverá. Sua morte está decretada!

MULHERES, PARTIDOS E BEZERRO

Como detrás de cada ídolo tem um demônio ou vários, os males se multiplicaram sobre todo o arquipélago sobretudo o mal da confusão! Quem iria a pensar que nenhuma mulher sequer da Alepa votaria para defender a própria mulher e sobretudo a mulher menina? Quem poderia ter imaginado uma tamanha monstruosidade? O que está acontecendo?

Bancada feminina da ALEPA. Foto de Celso Lobo/ALEPA.

Os ídolos são ferozes e devoram tudo! Que tipo de mulher está representando o Pará na Alepa? Olhemos com atenção para as mulheres que formam parte da Assembleia Legislativa!

Quem poderia explicar esse ódio contra a própria mulher e mais ainda na sua expressão de indefensa absoluta e de extrema fragilidade? Qualquer discurso sobre a dignidade da mulher ou seus direitos proclamado por qualquer senhora da Alepa ou por qualquer legislador da mesma é evidentemente enganoso, ressalvada, é claro, a nobreza e a dignidade do grupo que deu sua adesão a CPI!

E o que dizer dos partidos que outrora proclamavam com ênfase e paixão a democracia, a liberdade, os direitos humanos? Calaram, entregaram-se humildes e submissos, entraram diretamente na área de influência do Governo do Estado e aí o beijaram e o adoraram!

A surpresa que nos brindam os ídolos bem resumidas no bezerro de ouro, não nos deixam
repousar! Onde estão nossos irmãos do PT, do PSOL, do …. Podemos ao menos perguntar:

Por quê? Diante desse silencio criminoso um grito vibrante surge tentando se libertar das nossas gargantas marajoaras: “A verdade nos libertará!” Nós clamaremos convictos com Jesus por essa verdade pela qual seremos perseguidos e até declarados inimigos da Amazônia e da humanidade!

Diante da magnitude deste acontecimento que golpeia tão fortemente nossa realidade paraense e marajoara gravemos a ferro em nossa mente e em nosso coração: “Quando o interesse pessoal ou o do grupo político, quando até a própria vida se coloca por em cima da verdade, da justiça e do bem comum, vigora a lei do mais forte, o desprezo dos direitos humanos e a cultura da morte” (Salvos pela esperança, Bento XVI, 38-39).

Pará, Marajó, acorda! Só a esperança contra toda esperança aberta para o futuro, liberta!

Porque ela é a medida da verdadeira humanidade, do mistério da mulher, da criança, da dignidade, da cidadania e da coragem. Precisamente porque possui já aquilo que está por vir em plenitude, sendo a prova das realidades futuras!

Grita Marajó: “Os teus príncipes todos são uns rebeldes, companheiros de ladrões, todos são ávidos por subornos e correm atrás de presentes”! (Is 1,23). Por isso é necessário compreender o que nossa autoridade máxima do Estado, o Senhor Governador pensa e está decidindo sobre Marajó!

Hipocrisia, Cinismo?

Helder Barbalho, no dia 26 de fevereiro último anunciou que estava acompanhando de perto as denúncias nas redes sociais sobre exploração sexual de crianças no Marajó.

Ele afirmou com contundência: “É inaceitável que crianças sejam vítimas de exploração em Marajó ou qualquer parte do Brasil e do mundo”. Segundo ele o tema é “complexo”!

Porém, ele mesmo poucos dias depois ordena e manda a Alepa silenciar este gravíssimo atentado. Helder acrescentou: “O problema não é somente do Marajó mas sim de todas as regiões donde existe pobreza”. Mas, Senhor Governador, não somente nas regiões de
pobreza!

O especialista na questão do Marajó e da CPI do Pará sobre o tema que nos ocupa, o bem conhecido Ex-Deputado Arnaldo Jordy afirma (4/3/2024): “Este quadro trágico que merece toda a nossa atenção está longe de transformar o Marajó e o Pará na região de maior incidência dos casos”.

Arnaldo Jordy foi presidente de uma CPI, em 2009, que investigou essa realidade de abusos e violações dos direitos das crianças e adolescentes. De acordo com ele, algumas crianças são abordadas em embarcações e em troca da violação recebem uma nota de dez reais, um litro de querosene ou uma cesta básica. “Falta sensibilidade das autoridades, do governador do Estado e das autoridades federais para um projeto que enfrente o problema”, disse o ex-deputado federal. Foto: Robson Gonçalves

O Ex-Deputado oferece estatísticas recolhidas do Instituto Libertas e do Ministério de Justiça, que recomendo estudar no mesmo texto do Jordy e que finaliza com esta conclusão: “Neste quadro as regiões de maior incidência desse crime são pela ordem decrescente: Sudeste, Nordeste, Sul, Centro -Oeste e Norte.

Por tanto, o problema é de caráter nacional e temos que, enfrentá-lo como prioridade sem demagogias nem sensacionalismos”. Não é por tanto só questão de pobre! Como explica o Ex-Deputado “temos que cobrar de todos mas em especial do Governador, mais investimentos principalmente na educação, a geração de renda e na infraestrutura desta região que abriga 700 mil habitantes que clamam por dias melhores no Estado”.

Sem dúvida que uma educação sólida e consistente exige prioritariamente o exemplo das autoridades. Assim, como se explica que um cidadão como Luiz Sefer, condenado a 21 anos de prisão por abuso sexual de menor no próprio domicílio dele durante anos afora, ainda esteja livre sem entrar na prisão? Evidentemente espera a prescrição dos seus delitos aguardando completar 70 anos.

O Senhor Governador não poderia dar um exemplo maior de inteireza e respeitando todas as atribuições do direito e da justiça, interessando-se pela realização efetiva da mesma no Estado e ajudando a agilizar a implementação da pena sem deixar expirar o prazo?

Além do mais, o Governador acrescentou que “segue em contato permanente com o Governo Federal e com as Prefeituras da região para construir politicas públicas e atacar este problema de forma estruturada”.

Deixando de lado o contato com o Governo Federal, o contato com as Prefeituras do Marajó se revela extremamente frágil e sem eficiência prática nenhuma. A construção de políticas públicas está bem longe das necessidades reais do Marajó e não se percebe nas Prefeituras da região em geral “esse ataque ao problema” de que fala o Governador e menos de forma estruturada: Por exemplo, a eleição dos Conselhos Tutelares tem uma marca visível e pesada do poder político. Isso invalida na prática muitos esforços dos Conselhos Tutelares!

O Senhor Helder fala do fracasso da criação da Zona Franca do Marajó de Bioeconomia por culpa de Bolsonaro, que não isentou os impostos. A politização do “problema Marajó” é vergonhosa para os marajoaras, Senhor Governador, ao equiparar ou colocar a política por em cima dos Direitos Humanos sobretudo os das crianças e adolescentes.

O Senhor Governador finaliza sua declaração com estas palavras: “Não vamos descansar até que as crianças marajoaras estejam protegidas. Este é o nosso compromisso com o povo do Pará”.

Através desta declaração tão vaga e sobretudo da afirmação final negada poucos dias depois pela Alepa que ele controla, Marajó não estima confiáveis as suas palavras, Senhor Governador. Pelo contrário e pela lógica dos fatos, o Marajó pode observar na sua Excelência um possível ou real inimigo do povo marajoara! Não podemos ficar mais em cima do muro!

Onde está o Ministério Público do Pará? No caso bárbaro, por exemplo do assassinato de uma menina de poucos anos em Anajás? Menina que abusada sexualmente e morta, foi descoberta amarrada a uma árvore depois de vários dias de desaparecimento?

E o caso tristemente emblemático da pequena Elisa, de 2 anos, no mesmo Município, desaparecida ou morta faz um par de meses?

O que aconteceu com o suspeito deste último crime fugindo das mãos de um determinado Delegado e que se entregou às autoridades no dia seguinte acompanhado do seu advogado? E a morte do mesmo, na Marambaia de Belém, ao dia seguinte de ser internado, notícia transmitida através de um comunicado dizendo: “Às duas da manhã ele veio a óbito”!

Como veio a óbito? Como se explica a dominação do Município de Anajás, Município
mártir, pelo Comando vermelho e o Comando da capital do Amapá? Diante de um acontecimento socialmente tão demolidor e escandaloso como o da Alepa, a única palavra que ressoa firme é a palavra do Deus da justiça que convida e ordena: “OReino de Deus chegou! Arrependei-vos e crede no evangelho!” (Mc 1,15).

Posso afirmar que a chave para abrir a Assembléia Legislativa do Pará para o começo de uma humanização consciente e regenerada é esta: A solidariedade! Esta consiste na determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum. Assim de simples!

Ou seja, pelo bem de todos, porque todos nós somos responsáveis por todos! Além do mais, com essa firme determinação fundada na certeza de que as causas que entravam o respeito efetivo à dignidade humana e por tanto, ao desenvolvimento integral da sociedade, são aquelas idolatrias da avidez do lucro e da sede de poder a todo custo de que já falamos!

Estas atitudes e estruturas de pecado cristalizadas com toda evidencia na Alepa e no Governo do Estado só poderão ser vencidas, pressupondo o auxílio da graça divina, com uma atitude diametralmente oposta: “A entrega ao bem do próximo com a disponibilidade em sentido evangélico para “perder-se em benefício do próximo”, em vez de o explorar e para “servi-lo em vez de o oprimir para proveito próprio” (Cfr SRS 38).

Por último, Senhores Deputados (as) e Senhor Governador, o Pará, Marajó precisam de testemunhas, de cidadãos, principalmente de Autoridades como os Senhores (senhoras) em risco grave e permanente como se encontram suas Excelências e na necessidade de tomarem a decisão definitiva de “antepor a verdade e a justiça ao bem-estar, à carreira e à propriedade” (SS 39).

Sem a esperança grande que é Cristo e Cristo Crucificado não é possível construir um Pará livre nem um Marajó digno.

Com esta esperança o Pará, o Marajó levará com alegria os Senhores Deputados e o Governador no profundo do coração e assim também o futuro ficará realmente assegurado!

Viva Pará, viva Marajó!

Soure, 12 de março de 2024

Dom José Luis Azcona Hermoso

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