Nas entrelinhas dos editoriais, nas escolhas de pauta e nos silêncios eloquentes, a grande imprensa brasileira parece seguir, há décadas, um velho roteiro: o de naturalizar os interesses dos Estados Unidos como se fossem os do “mundo civilizado”, enquanto retrata com desconfiança ou ridicularização qualquer tentativa de soberania do Brasil frente às pressões de Washington. O episódio mais recente da escalada entre Lula e Donald Trump escancarou essa lógica.
Quando Trump, em plena corrida eleitoral, anuncia de forma unilateral uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros e insinua que o STF persegue Jair Bolsonaro, o que se espera da imprensa de um país soberano? Um posicionamento firme na defesa dos interesses nacionais? Uma contextualização crítica da ingerência estrangeira? Nada disso.
O que vimos foi um desfile de análises que relativizam a gravidade da ação de Trump, que priorizam o impacto nas bolsas e o “humor do mercado” em vez de discutir os riscos de um neocolonialismo digital e jurídico. Os jornais preferiram se concentrar na “diplomacia conflituosa de Lula” do que denunciar abertamente o imperialismo disfarçado de preocupação com a liberdade de expressão.
O velho alinhamento automático
Historicamente, parte considerável da mídia brasileira sempre teve dificuldade em lidar com lideranças nacionais que enfrentam os Estados Unidos – de Vargas a Jango, de Brizola a Lula. O “antiamericanismo” é rapidamente rotulado como populismo, atraso, ou — nas palavras mais chiques — “isolacionismo”.
Essa postura, no entanto, nunca foi de neutralidade: é, na prática, um alinhamento automático com os interesses geopolíticos e econômicos de Washington. As denúncias de Trump contra o STF, por exemplo, foram repercutidas com enorme destaque, enquanto a resposta soberana do governo brasileiro foi tratada como “risco diplomático” ou “tom inflamado”. Raras foram as matérias que chamaram o gesto de Trump pelo que ele é: uma ameaça autoritária, motivada por interesses ideológicos e comerciais.
O jornalismo que silencia sobre o império
É curioso notar que, quando países do Sul Global resistem à dominação econômica ou tentam regular gigantes da tecnologia — muitas vezes usadas como braços informais da inteligência e do poder americano — a imprensa local prefere ecoar a narrativa de “censura” do que discutir a soberania digital e a proteção de dados.
O debate sobre liberdade de expressão termina sempre onde começa a análise crítica dos algoritmos, da manipulação de eleições e do financiamento estrangeiro de desinformação. Afinal, questionar isso significaria tocar em feridas que o jornalismo corporativo prefere não expor — até porque, em boa parte, ele próprio depende desses sistemas para sobreviver.
O ponto central dessa discussão não é defender um governo ou partido específico, mas sim questionar para quem trabalha a grande imprensa brasileira quando se cala diante da agressão externa. O jornalismo que se pretende independente precisa, antes de tudo, estar comprometido com a soberania nacional, com o bem público e com a democracia — inclusive quando ela desagrada Washington.
O que se vê, no entanto, é uma postura editorial que ainda enxerga os Estados Unidos como um espelho e o Brasil como um eterno aprendiz, um país que deve sempre agradar ao “irmão mais velho” para não ser castigado. Essa lógica subserviente não só enfraquece a política externa do país, como aliena a opinião pública e sufoca o debate sobre um modelo de desenvolvimento que não dependa das benesses e humores da Casa Branca.
Soberania ou submissão?
Diante de mais uma tentativa de ingerência dos Estados Unidos — agora travestida de preocupação com a liberdade e com o comércio justo — o Brasil precisa decidir de que lado quer estar. E a imprensa também. Continuará a repetir os mantras do imperialismo com verniz técnico e aparência de neutralidade? Ou finalmente assumirá sua responsabilidade histórica de defender o país diante de ataques à sua autonomia?
O jornalismo brasileiro tem diante de si um espelho: pode optar por ser uma trincheira crítica da dominação estrangeira ou seguir como caixa de ressonância do império. Em tempos como este, fingir imparcialidade é tomar partido — e não é do lado do Brasil.
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