Editorial: A aposta de Bolsonaro em Flávio é estratégica ou um tiro no escuro - Estado do Pará Online

Editorial: A aposta de Bolsonaro em Flávio é estratégica ou um tiro no escuro

Indicação reposiciona o bolsonarismo para 2026, provoca reações internas e desencadeia movimentos no mercado financeiro

Reprodução/Ag. Oficiais

A decisão de Jair Bolsonaro de indicar Flávio Bolsonaro para disputar a Presidência em 2026 tem como fundamento central a preservação do projeto político da família em um momento de restrições legais, desgaste interno e reposicionamento da direita. A escolha revela mais do que um gesto familiar. Ela expressa uma tentativa de reorganizar o campo conservador e manter o bolsonarismo vivo em um cenário eleitoral incerto.

Flávio reúne características que Jair considera essenciais para essa continuidade. É o filho mais velho, acompanha a vida política do pai desde a adolescência e entrou na política ainda jovem como deputado estadual no Rio de Janeiro. Foram quatro mandatos antes da chegada ao Senado, onde consolidou alianças com setores evangélicos, empresariais e militares. Do ponto de vista ideológico, apresenta fidelidade integral às pautas do bolsonarismo e se mantém como uma figura disciplinada dentro da estrutura do movimento.

A indicação, porém, vem acompanhada do peso das controvérsias que marcaram sua trajetória. O caso das supostas rachadinhas no gabinete da Alerj, mesmo enfraquecido judicialmente, permanece como elemento simbólico de desgaste. As transações imobiliárias e a movimentação da loja de chocolates reforçam a narrativa de que a campanha de 2026 carregará vulnerabilidades desde o primeiro momento. Ainda assim, Jair mantém a avaliação de que Flávio é o membro mais estruturado politicamente para assumir o protagonismo.

No PL, a escolha foi recebida de forma pragmática. Valdemar Costa Neto, presidente do partido, declarou apoio público ao senador e classificou a indicação como um movimento de preservação da identidade bolsonarista. A leitura interna é de que a candidatura representa a opção mais natural em um quadro de poucas alternativas competitivas dentro do campo conservador. A unidade, no entanto, não é automática. O partido reconhece que a campanha exigirá reorganização, pactuação com lideranças regionais e reconstrução de pontes com grupos que se afastaram do bolsonarismo após a derrota de 2022.

As divergências ficaram evidentes na reação de figuras influentes. O pastor Silas Malafaia criticou a condução do anúncio e afirmou que a falta de estratégia faz com que a esquerda “dá gargalhadas”. A declaração expõe fissuras internas e reflete a percepção de que a decisão pode ter sido tomada sem o preparo necessário para garantir coesão entre aliados estratégicos.

O mercado financeiro também reagiu de forma expressiva. Logo após a indicação, o Ibovespa recuou e o dólar subiu. Analistas apontam que o nome de Flávio foi recebido com cautela por investidores que esperavam alternativas consideradas mais previsíveis ou moderadas. A leitura predominante é que a candidatura eleva o grau de incerteza sobre o ambiente político e fiscal do país.

A escolha de Flávio para disputar a Presidência revela um cálculo complexo. Jair Bolsonaro busca manter controle sobre a narrativa sucessória, projetar continuidade e reforçar sua influência mesmo impedido de concorrer. O movimento, porém, expõe fragilidades internas, coloca o bolsonarismo diante de seus próprios limites e introduz elementos de instabilidade no cenário econômico. O desempenho de Flávio nos próximos meses será decisivo para definir se a estratégia fortalece ou fragmenta ainda mais o campo conservador.

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