Tribunal popular expõe ecogenocídio e responsabiliza governos e corporações - Estado do Pará Online

Tribunal popular expõe ecogenocídio e responsabiliza governos e corporações

Um documento construído por movimentos sociais expõe denúncias de várias regiões do mundo e cobra reparações amplas, sem revelar ainda como os governos irão reagir.

Raimundo Pacco / COP30

A lista de responsabilizados foi revelada antes mesmo de o público compreender toda a dimensão do que estava por vir. Na COP30, o Tribunal Autônomo e Permanente dos Povos contra o Ecogenocídio tornou pública uma sentença que mira diretamente Estados nacionais e grandes empresas por violações cometidas contra povos indígenas, comunidades tradicionais e os ecossistemas que ocupam.

As acusações não se concentram em um único território. Vieram de promotores populares, vítimas e especialistas que, durante dois dias, transformaram a sede do Ministério Público Federal, em Belém, numa arena de escuta. Foram 21 casos, com relatos que atravessam a Amazônia, territórios camponeses de vários países da América Latina e África, além de denúncias vindas de Bangladesh e da Palestina ocupada.

A partir dessas apresentações, o Tribunal descreve um cenário que, segundo o documento final, configura uma “guerra entre modos de vida”: de um lado, o modelo colonial que expropria terras, rios e corpos; do outro, a visão ancestral que reconhece a Terra como “viva, diversa, Mãe e digna de respeito”.

Os relatos incluíram destruição de manguezais, dragagem de rios, avanço do agronegócio, mineração, hidrovias, pulverização aérea de agrotóxicos, desmatamento, grilagem, trabalho escravo e expulsões forçadas. Nada, sustenta o Tribunal, ocorreu de maneira isolada. As violações fariam parte de um projeto político “colonial, racista e patriarcal” que converte a natureza em ativo financeiro.

A sentença cita diretamente os governos de Brasil, Bangladesh, Chile, Colômbia, Bolívia, Guiné-Bissau e Israel. Do lado privado, mais de 800 empresas aparecem como corresponsáveis, entre elas Cargill, Bunge, Amaggi, JBS, Enel, Norte Energia, Minerva e Louis Dreyfus. Instituições financeiras como BNDES, Banco Mundial, Banco do Brasil, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e JPMorgan Chase também são mencionadas.

As reparações cobradas incluem demarcação imediata de terras indígenas, reconhecimento de direitos territoriais, garantia de consulta prévia e de boa-fé, além de uma reforma agrária ampla e popular. O texto pede ainda a revogação do Decreto Federal 12.600/2025, que abre caminho para a desestatização de hidrovias.

Há exigências adicionais: investigações criminais, localização de desaparecidos, anulação de projetos impostos sem consulta e proteção reforçada a defensores de direitos humanos. A justificativa é direta: reparações são indispensáveis para conter “violências que atentam contra a própria Mãe Terra”.

Embora sem efeito jurídico formal, o julgamento assume caráter político. O documento afirma que a iniciativa pretende acender novos debates e orientar ações futuras: “Esta sentença é mais que decisão: é canto, é tambor, é lamparina acesa na vigília dos povos.”

A assinatura final reúne lideranças indígenas e quilombolas, pesquisadores, juristas e defensores dos territórios, entre eles Cacique Ramon Tupinambá, Aiala Colares de Oliveira Couto, Iyalasé Yashodhan Abya Yala Muzunguè CoMPaz, Girolamo Treccani, Itahu Ka’apor, Andréia Macedo Barreto, Marcela Vecchione-Gonçalves, Luiz Felipe de Alencastro, Eliete Paraguassu, Helena de Souza Rocha e Nô Recursos.

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