Unicef alerta para crise entre crianças Yanomami e pede ações contra efeitos do garimpo - Estado do Pará Online

Unicef alerta para crise entre crianças Yanomami e pede ações contra efeitos do garimpo

Relatório revela impactos duradouros da invasão garimpeira sobre a saúde, a infância e o modo de vida do maior povo indígena do Brasil, e cobra políticas públicas que envolvam diretamente as comunidades.

Fernando Frazão / Agência Brasil

O garimpo ilegal deixou cicatrizes profundas entre as crianças Yanomami. Entre 2019 e 2022, 570 morreram de doenças evitáveis, em meio ao colapso do sistema de saúde e à contaminação ambiental provocada pela extração de ouro em território indígena. Os dados fazem parte de um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), elaborado em parceria com a Hutukara Associação Yanomami (HAY) e divulgado nesta quarta-feira (15).

O documento, lançado às vésperas da COP30, que será realizada em Belém, alerta que a invasão garimpeira agravou de forma drástica as condições de vida das comunidades. Com rios contaminados por mercúrio, destruição das áreas de caça e roçados abandonados, o povo Yanomami enfrenta um ciclo de fome, doenças e desassistência.

A antropóloga Ana Maria Machado, uma das autoras do relatório, explica como o garimpo desencadeia uma sucessão de crises. “É um ciclo de adoecimento muito crônico e sistêmico, muito ligado à invasão garimpeira. Primeiro, como diz um amigo Yanomami, onde tem garimpo, tem malária e isso leva as famílias a ter uma maior dificuldade em fazer as roças (…). Isso leva também à fome e à desnutrição que se agrava porque tem maior destruição da floresta, porque o barulho dos maquinário afugenta as caças”, relata.

Os números confirmam a dimensão da tragédia. Entre as 4.245 crianças acompanhadas pela Vigilância Alimentar e Nutricional em 2022, mais da metade estava abaixo do peso. No mesmo período, os casos de malária em menores de cinco anos superaram 21 mil registros, número equivalente a toda a década anterior. Em quatro anos, 47 crianças morreram pela doença, sete vezes mais do que no período anterior.

As infecções respiratórias também são uma ameaça constante. De 2018 a 2022, 187 óbitos infantis foram registrados por síndromes gripais que evoluíram para quadros graves. A cobertura vacinal despencou de 82% para 53%, reflexo direto da desestruturação dos serviços de saúde durante a expansão garimpeira.

A contaminação ambiental amplia o quadro de risco. Um laudo da Polícia Federal, feito em 2022, identificou níveis de mercúrio 8.600% acima do limite seguro em amostras dos rios Uraricoera, Parima, Catrimani e Mucajaí. Mesmo com a retirada parcial dos garimpeiros, o metal pesado deve permanecer no ecossistema por anos, afetando a fauna e o desenvolvimento das crianças. “A presença incolor do mercúrio nos rios e nos peixes seguirá sendo fonte de contaminação por vários anos”, alerta o relatório.

Além das doenças, a exploração ilegal abriu espaço para outras formas de violência. Jovens Yanomami foram aliciados com dinheiro e bebidas, e meninas passaram a ser vítimas de exploração sexual. “Há inúmeros relatos de casos de meninas abusadas em troca de algum pagamento (…). Há também casos de meninas e mulheres que frequentam os garimpos para prostituir-se em troca de comida, em situações de evidente exploração”, descreve o documento.

O estudo “Infância e Juventude Yanomami: O que significa ser criança e os desafios urgentes na Terra Indígena Yanomami” mostra que três em cada quatro Yanomami têm menos de 30 anos, uma população jovem e diversa, falante de seis línguas diferentes. Mesmo diante dos desafios, o relatório destaca que a infância Yanomami também é marcada por liberdade, convivência coletiva e aprendizado comunitário.

“Os Yanomami têm uma ideia de que crescer em comunidade é uma forma também da criança ser bem cuidada (…). A liberdade, a grande autonomia que as crianças têm e a livre circulação são pontos muito específicos da infância Yanomami”, explica Ana Maria Machado.

Para o antropólogo Marcelo Moura, o modo de vida Yanomami está em constante transformação. Ele observa o surgimento da chamada “geração terra demarcada”, que cresce em meio ao contato com o mundo não indígena e enfrenta conflitos intergeracionais.

O chefe de emergências do Unicef no Brasil, Gregory Bulit, resume o propósito do estudo: “Os dois objetivos fundamentais do relatório são: primeiro, que seja uma referência atemporal e uma fonte de pesquisa (…); e também que possa ajudar organizações, gestores, profissionais de todas as áreas a melhor entenderem as particularidades para trabalhar com e para essas populações”.

O documento conclui que proteger as terras indígenas e restaurar os ecossistemas são medidas essenciais para garantir o futuro das crianças Yanomami. O Unicef também pede que políticas públicas sejam construídas em diálogo com as próprias comunidades, ouvindo suas demandas e respeitando seus modos de vida.

“É fundamental que a grande demanda desses jovens por escolarização, por acesso a novos conhecimentos (…), seja levada a sério, sobretudo como ferramentas na luta por respeito por sua dignidade, pela integridade de seu território e pelo direito de preservarem sua cultura”, reforça o relatório.

Com informações da Agência Brasil

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